Bullying geopolítico
Quem ler o comunicado final da cimeira da NATO, ou a declaração conjunta sobre solidariedade transatlântica, ou ainda sobre as relações entre a NATO e a UE, só pode tirar uma conclusão: nunca a NATO esteve tão bem. A defesa do artigo 5.º, a identificação da ameaça russa, a política de "porta aberta" ou o reforço consolidado das capacidades militares são temas que percorrem o bom ambiente saído dos parágrafos desses textos.
A realidade é bem diferente. E normalmente quando se tenta passar uma imagem tão distinta da realidade, mais dia menos dia esta torna-se tão avassaladora que os factos triunfam sobre a ilusão. Temo que a NATO esteja nesta rota.
E temo porque a aliança tem sido um pilar da estabilidade política ocidental e uma base de sustentabilidade da União Europeia, cujas distintas fases de integração e a arrumação dos sucessivos alargamentos foram feitos após os da NATO. Temo porque a consolidação das democracias europeias, a começar pela Alemanha reunificada, só foi possível porque a cultura política da aliança foi evoluindo para a acomodação de uma geração-NATO nas Forças Armadas que aceitou submeter-se à hierarquia constitucional de um poder político civil. E temo porque a NATO, com os seus altos e baixos e as suas crises cíclicas, tem sido um dos poucos fóruns, senão mesmo o único, onde os europeus são obrigados a pensar estrategicamente. E isto, nos competitivos e incertos tempos que correm, é quase tudo.
Hoje, de uma forma tão abrupta como singular, um presidente americano traz às relações transatlânticas uma pressão próxima do bullying. Tem sido assim na vertente comercial ou na defesa, mas também nos posicionamentos ideológicos e nos constantes ataques à Alemanha, em cuja relação bilateral tem assentado o bom funcionamento do espaço ocidental.
A lógica é só uma: vergar, diminuir e até humilhar o "aliado" para tirar vantagem na transação negocial. Donald Trump pode estar mais afastado dos seus negócios, mas a lógica empresarial nunca desapareceu da sua conduta política.
É também este o estado da relação com o Reino Unido, em tempos descrita como "especial". Só quem queira aproveitar o difícil momento existencial que vive o Reino Unido para tirar vantagem negocial durante e depois das negociações do brexit é que encaixa uma visita a Londres entre uma ida a Bruxelas e outra a Helsínquia. Mais: dos quatro dias previstos, dois serão passados a jogar golfe na Escócia. O desprezo pelos aliados e pelas alianças é todo um programa. Pode ser muito vantajoso para o senhor Trump, mas não o é certamente para os Estados Unidos da América.