Imposto sobre a vergonha

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Há uma crise política na Europa e uma tragédia humanitária no Mediterrâneo. Para controlar a primeira e minimizar a segunda os líderes da UE sentaram-se à mesa com a Turquia com dois propósitos prévios. Primeiro, pagar a Ancara para readmitir migrantes que não cabem no estatuto de refugiado, além de reforçar a assistência humanitária a 2,5 milhões de almas que estão nos campos turcos. Segundo, dar por encerrada a rota balcânica, supostamente para aliviar o fardo dos países de entrada (Grécia), trânsito (Macedónia, Sérvia, Hungria) e acolhimento (Alemanha, Áustria, Suécia, França). Angela Merkel, novamente bem, foi a única a disputar esta tese. A crise política na UE tornou normais o abuso de poder e a ilegalidade em vários Estados membros ou próximos. Tudo tem sido permitido a Orbán, hoje uma inspiração a Leste e fator de descredibilização dos tratados e da coordenação comunitária. E tudo tem sido permitido a Erdogan, que acabou de dar mais uma golpada na liberdade de imprensa com o controlo do Today"s Zaman e que queria aproveitar a vulnerabilidade negocial da UE para garantir a liberalização de vistos. É por isso que a UE não está a resolver tragédia humana nenhuma, nem mesmo a mostrar uma súbita coordenação. Está só refém de meia dúzia de tiranetes e calendários eleitorais. Fechar a rota balcânica não vai travar a fuga à morte na Síria, que seguirá por outro caminho. Esperemos aí que a UE monitorize com recursos uma travessia segura a todos os que por lei já deviam ter estatuto de refugiado e direito a asilo político: as crianças. Foram 250 mil as que chegaram à Europa em 2015 - 0,05% do total da população da UE - mas há quem fale em "invasão islâmica". Se a vergonha pagasse imposto pelo menos estas vidas já estariam integradas e uma geração teria sido resgatada do terror. Assim, corremos o risco de o engrossar.

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