Como o mercado deixou a Liga

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O encerramento do mercado veio contribuir um pouco mais para a sensação de equilíbrio que os três candidatos ao título vinham fazendo adivinhar na Liga de 2017/18. O Benfica pode já ter resolvido a sucessão de Nelson Semedo, mas deixa dúvidas na baliza e no centro da defesa, pelo que não é seguro que não surja mais fraco do que há um ano. O FC Porto confirmou que vai encarar o campeonato sobretudo com a força que lhe confere uma boa ideia de jogo, a que lhe trouxe Sérgio Conceição, mas fica também a sensação de que o plantel pode ser curto para tanta exigência. E o Sporting, que está mais forte em termos individuais, é também, dos três, quem tem pela frente o mais intrincado puzzle tático e de gestão de balneário, fruto de ter sido quem mais revolucionou o grupo de jogadores.

O desafio do pentacampeonato, no Benfica, pode ser tão dificultado pelos jogadores como pela depauperação do plantel trazida pelo mercado. Rui Vitória ficou sem Ederson, Nelson Semedo e Lindelof, tendo-os substituído por Varela/Svilar, Douglas e pela reascensão de Jardel, o que lhe provoca problemas tanto defensivos como ofensivos. Enquanto se espera para ver quem vai emergir da luta a três como titular da baliza, parece claro que, pelo menos no imediato, nenhuma das opções apresenta a qualidade de Ederson, tanto entre os postes como a sair deles ou até na forma de relançar o ataque. Jardel deixa dúvidas em termos físicos, mas também na qualidade da saída de bola, enquanto que Douglas terá de recuperar a forma brasileira para dar à equipa a saída que ela tinha pela direita com Semedo.

Na frente, o Benfica parece mais forte, à partida porque volta a ter Jonas, depois porque tendo perdido Mitroglou ganhou Seferovic e finalmente porque tem em Gabriel um jogador capaz de lhe dar alternativas: pode ser retaguarda de Jonas ou até formar um ataque móvel com ele. Aí, se há crise, ela é de abundância, porque além dos três ainda há Jiménez. Sociedades como as já existentes, de Pizzi com Salvio, deste com Jonas, dos três com Seferovic, serão fundamentais no ataque ao penta, cujo sucesso dependerá muito da capacidade de a equipa libertar o seu principal pensador - Pizzi - e manter o jogo sempre o mais perto da baliza adversária possível. No último terço, este pode ser um Benfica temível, pela capacidade que tem de imprimir mudanças de velocidade com a bola. O problema é que até para meter velocidade é preciso espaço. E já se viu como o Rio Ave foi capaz de lhe roubar o espaço.

Também de tração à frente é o FC Porto de Sérgio Conceição, equipa que mudou poucos jogadores - limitou-se a recuperar emprestados, como Aboubakar, Marega ou Ricardo - mas alterou de forma radical a maneira como encara o jogo. Este FC Porto constrói de outra maneira, joga muito mais à frente, libertando Óliver Torres para tarefas de criação e depois metendo sempre muita gente na zona de definição. A primeira mudança assegura uma qualidade no jogo logo desde trás - e até aqui só o Tondela conseguiu secar Óliver, impedindo-o de ser o patrão de que o FC Porto necessitava. A segunda garante várias alternativas de finalização quando a bola lá chega e reflete-se numa mudança como da noite para o dia na produção goleadora. Se há algo que pode custar caro a este FC Porto é a falta de alternativas para algumas posições - se muda Óliver por André André, por exemplo, torna-se uma equipa mais de transição, ainda que com mais chegada à área; se perde um dos avançados, torna-se difícil manter este 4x4x2, porque lhe falta um suplente à altura - e até por isso parece incompreensível que Rui Pedro tenha sido emprestado ao Boavista.

Já o Sporting parece ter sido quem mais se reforçou, com gente de muita qualidade, como Coentrão, Mathieu, Acuña ou Bruno Fernandes. Já para não falar de Battaglia, a coqueluche de Jorge Jesus, que pode agora ver tudo mudar com a permanência de William Carvalho. Tudo indica que o plantel dos leões foi construído a pensar que iam sair William e Adrien, mas afinal o primeiro ficou e o segundo ainda espera autorização da FIFA para seguir para o Leicester. Dirão os otimistas: mas isso é excelente. É e não é. É como alguém comprar uma casa a pensar que vai vender aquela em que vive e depois acabar por ter de ficar com as duas. O overbooking no meio-campo leonino não tem de ter apenas consequências financeiras ou de gestão de egos no balneário: apresenta um desafio-extra ao treinador, até do ponto de vista tático.

E se as coisas já iam exigir uma mudança radical no futebol de Jesus - com Bruno Fernandes a alternar entre ser um 8 mais ofensivo do que Adrien, logo a precisar de um 6 mais defensivo do que William, e um 10 menos presente na área do que Alan Ruiz ou Podence, logo a exigir mais movimentos interiores dos extremos - agora é que o puzzle fica mesmo complicado de resolver. Poderá o Sporting jogar com William e Battaglia, sem perder qualidade na aproximação à área? Poderá jogar com William e Bruno Fernandes sem perder agressividade na transição defensiva? Poderá jogar com os três, sem perder presença na área? Se conseguir resolver a equação, Jesus pode ter nas mãos o plantel mais forte desde que chegou a Alvalade - mais forte até do que o de 2015/16. Se não conseguir, estará perante a maior oportunidade falhada desde que passou a vestir de verde-e-branco.

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