O efeito "chicão" no CDS

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Foi um fim de semana particularmente frio e chuvoso em Lamego, que contrastava claramente com as altas temperaturas que se faziam sentir no interior do pavilhão multiusos que acolhia o XXVII congresso do CDS. Lá dentro, Assunção Cristas colocava bem alta a fasquia do partido: assumia-se como o principal rosto da oposição ao Governo de António Costa, deixava subentendido o objetivo de ultrapassar o PSD e atirava-se de cabeça para uma candidatura à Câmara Municipal de Lisboa. As hostes centristas deliravam com tamanha ambição.

Mas este não era um congresso de uma estrela só. Entre aplausos e aclamações, houve sempre um ruído de fundo, impossível de ignorar para quem assistia de fora: "Chicão, Chicão, Chicão", ouvia-se por entre vivas ao CDS. O "Chicão" é Francisco Rodrigues dos Santos, líder da Juventude Popular, que um dia a revista Forbes considerou um dos 30 jovens mais brilhantes e promissores da Europa. Um "título" que, há dois anos, começou a despertar o interesse da comunicação social e que acabou por transformar um ilustre desconhecido numa estrela em ascensão no CDS.

Descrito como conservador, controverso e frontal, o "Chicão" era uma espécie de futuro novo herói do CDS, líder capaz de arregimentar uma média de 154 novos jotinhas por mês, o que lhe dava um peso político ainda maior dentro do partido, um feito que poucos antes dele haviam conquistado.

Assumidamente de direita - sem medos e sem tabus -, foi fazendo a sua "evangelização" nas redes sociais, em artigos de opinião ou em entrevistas, deixando, amiúde, a direção de Assunção Cristas entre o embaraço político ou a vergonha alheia.

Mas o "Chicão" começava a fazer cada vez mais jus à alcunha e já não era apenas o líder da Juventude Popular. Tornou-se um dos rostos mais visíveis da ala mais conservadora do partido, uma espécie de sucedâneo de Nuno Melo, porventura ainda mais à direita e ainda mais conservador. Uma espécie de alt right à portuguesa, para quem os fins justificam os meios, capaz de fabricar as "verdades" mais convenientes em cada momento, como aconteceu quando o "Chicão" decidiu dissertar sobre a alegada "ideologia de género" nas escolas portuguesas, manipulando e descontextualizando a letra da lei. O palco que lhe foi dado fez o resto: com base numa mentira, criou-se um facto político que obrigou Assunção Cristas a vir demarcar-se do líder da Juventude Popular, mas que que acabou por influenciar a mente dos que costumam "engolir" tudo o que lhes metem à frente.

O "Chicão" é, assim, uma espécie de metáfora da crise existencial que o CDS está hoje a viver. Um partido que, nos últimos dois anos, foi deambulando entre o centro-direita, a direita conservadora, o liberalismo e, nas horas vagas, a democracia cristã. Um partido que, depois de Paulo Portas, quis ser tudo e acabou por não saber dizer quase nada ao eleitorado, reduzido a cinco deputados, sem líder e, para já, sem candidatos a líder digno desse nome.

A saída de Paulo Portas deu o tiro de partida para esta desorientação ideológica. E é fácil compreender porquê. Ao longo dos anos, Portas foi conservador, liberal, democrata cristão, de centro-direita, por vezes de centro-esquerda, foi tudo e o seu contrário. Ideologicamente, Paulo Portas foi o que mais lhe convinha em cada momento político e o CDS foi sempre acompanhando o ritmo do frenético líder.

A ressaca - todos o anteciparam - seria naturalmente dura de suportar e, na prática, Assunção Cristas só conseguiu adiá-la dois anos. A verdade é que, até agora, o CDS funcionou sempre como uma espécie de tampão aos populismos e aos extremismos. E, daqui para a frente, não sabemos. Agora que o partido voltou ao táxi, encontrar o "taxista" certo para o conduzir não é uma escolha de somenos importância. Porque o caminho é estreito. Muito estreito. E a chegada ao Parlamento do Iniciativa Liberal e do Chega ameaça ensanduichar ainda mais um CDS que tem agora que dividir o espaço da direita com dois novos protagonistas.

É por isso natural que todos os "chicões", "Joanas Bento Rodrigues" e outros que tais, que, nos últimos anos, quiseram encostar o CDS ainda mais à direita e que contribuíram para a radicalização do discurso do partido - com os resultados que estão à vista -, surjam agora para fazer o debate interno que se segue.

Este é o momento para fazer escolhas. Quem é o CDS? Que fatia da população quer representar? Que modelo económico quer para o país? E em que é que se diferencia dos demais partidos do centro-direita? Na certeza, porém, de que as respostas a estas perguntas podem ser determinantes para a sobrevivência do partido ou o para o seu desaparecimento.

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