Os políticos não são todos corruptos

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Um dos maiores clichés no ano novo são as entrevistas à populaça que se pela por aparecer na televisão a dizer boçalidades e a fazer figuras tristes. Tipicamente, formulam-se votos de um ano com saúde, família, amigos, dinheiro - este ano houve até quem pedisse um salário sempre a subir - e, claro, os recados para a classe política. "Que sejam menos corruptos", gritava uma senhora lá para o Alentejo. "Acabem com a corrupção", dizia outra mascarada como se estivéssemos no carnaval, depois de ter dado o primeiro mergulho do ano nas águas geladas de Aveiro.

Este discurso fácil e, tantas vezes, demagogo que se repete todos os anos, começa, no entanto, a ganhar contornos preocupantes, à medida que o tempo vai passando. E muito do que se vai passando lá fora, nos Estados Unidos, no Brasil, em Itália ou em França, só para citar alguns exemplos, permite-nos antever uma tendência que, se não tivermos cuidado, pode tornar-se realidade também por cá, em Portugal.

As generalizações têm tanto de injusto como de perigoso. O facto de existirem políticos corruptos não faz com que todos os políticos o sejam. O facto de alguns terem usado a política como trampolim para enriquecerem não invalida que não haja políticos verdadeiramente empenhados no serviço público. E, sobretudo, mais importante que os políticos, é fundamental preservarmos as instituições. Porque a única forma de corrigirmos os defeitos das nossas democracias é continuarmos a viver nelas.

Não há temas tabu. Os ordenados e as regalias dos políticos, o número de deputados, o sistema eleitoral, em democracia tudo pode ser debatido e todos os argumentos são válidos. Mas, se vamos argumentar, que o façamos com base em dois pressupostos: de forma informada e sem nunca colocar em causa os pilares fundamentais da nossa democracia.

Uma das coisas mais assustadoras da patética manifestação dos coletes amarelos em Portugal foi perceber o nível de ignorância que ainda existe numa fatia da população. A julgar pelo número de pessoas que esteve na rua, essa fatia parece pequena, mas não se deixem enganar. Ela é muito maior do que julgamos. E não há pior ameaça a uma democracia do que a ignorância.

É verdade que, para esta desinformação, muito têm contribuído as redes sociais. Tantas vezes um esconderijo de cobardes a quem justamente nunca ninguém deu voz, mas que encontraram, finalmente, no mural de Facebook o megafone de que andavam há anos à procura. E é daqui, das partilhas de notícias falsas, dos comentários de ódio que provocam ainda mais ódio, que estão a resultar vários fenómenos populistas um pouco por todo o mundo. Sim, é daqui que estão a nascer os Trump, os Bolsonaro e os Conte. É deste ecossistema obscuro que estão a nascer os "salvadores" que nos vão destruir.

Se deixarmos que estes movimentos inorgânicos continuem a germinar, o desfecho pode ser trágico para a nossa democracia. A corrupção, como a incompetência ou a prepotência, só podem ser combatidas com instituições fortes.

Seguramente a classe política tem uma grande dose de responsabilidade na insatisfação latente das pessoas. As crises económicas das últimas décadas e os fundamentos que estão na sua génese não podiam ter outra consequência que não fosse esta. Quem, como os da minha geração, nunca conheceu outra realidade económica que não fosse de impostos altos, cortes de salários, pensões e direitos, não pode deixar de responsabilizar aqueles que ajudámos a eleger. Quem, como os da geração dos meus pais, trabalhou uma vida inteira no pressuposto de que o Estado é uma "pessoa de bem", que não falhará com os seus compromissos e depois vê essas promessas quebradas, não pode evitar a desilusão, a desconfiança e, porque não dizê-lo, tantas vezes a raiva. Quem, como esta nova geração altamente qualificada, continua a bater-se por uma oportunidade de trabalho e por um salário digno, não pode senão responder com desinteresse e com distância.

A incompetência explicará uma parte disto, mas não explica tudo. Os partidos políticos - e quem neles gravita - viveram, nas últimas décadas, fechados sob si próprios, incapazes de aprender com os erros do passado. A cegueira pelo poder - que lhes foi conferido pelos eleitores - impediu-os de servir o país mais do que se serviram a si próprios.

É claro que os casos de corrupção que envolvem os políticos só vieram desacreditar ainda mais uma classe já se si arrasada na confiança que os eleitores depositam nela. E não sou eu que vou desvalorizar esse impacto e, muito menos, o fenómeno. A corrupção é provavelmente um dos maiores tumores que as democracias modernas enfrentam e a cura está longe de ser conhecida. Se é que anda alguém à procura dela.

Os problemas da nossa democracia estão longe de se resumirem apenas à corrupção na política. Eles são muito mais profundos e complexos e precisam de uma resposta urgente e eficaz. A primeira responsabilidade é, precisamente, dos partidos políticos. Foi neles que nasceu o problema e devem ser eles a dar o primeiro passo para o resolver. O desaparecimento do centro político em França, em Itália ou na Grécia - onde só sobraram os extremos - tem que levar a uma reflexão séria e a mudanças drásticas. Nas prioridades políticas, pois claro, mas sobretudo na forma como se organizam, na exigência que têm consigo próprios e na forma como fazem política. Os partidos políticos têm a obrigação de salvar a democracia porque, sem ela, eles deixam de existir.

Os políticos não são todos corruptos, mas serão todos coniventes se permitirem que se continue a percorrer este caminho de destruição das instituições. E, a continuar assim, só pode haver um de dois desfechos: a anarquia ou a ditadura.

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