As pessoas não votam porquê?
Há países onde os extremismos crescem e o populismo toma conta dos Estados. Em Portugal, ficamos todos muito contentes porque estes fenómenos não vingam. Porque os PNR desta vida são praticamente irrelevantes do ponto de vista eleitoral. Ou porque André Ventura não ficou sequer perto de ser eleito. Mas há uma ameaça muito maior à nossa democracia à qual não estamos a dar a atenção devida: a abstenção.
Foi ela a grande vencedora destas eleições europeias. Quase 70% de abstenção é uma vitória com maioria absoluta, o que significa que a legitimidade dos nossos eleitos é hoje muito menor do que era. O que significa um divórcio dos eleitores com os seus eleitos, que pode ter consequências catastróficas para a nossa democracia.
Importava, por isso, que os líderes políticos que falaram na noite eleitoral deste domingo estivessem conscientes de que ninguém ganhou e todos perderam. Que em vez de se abrirem garrafas de champanhe por causa de pouco mais de um milhão de votos, se refletisse sobre os motivos que levaram mais de sete milhões de portugueses a ficarem em casa ou a irem para a praia e a faltarem a um dever cívico. Há uma reflexão profunda a fazer e não é apenas na forma como se fazem campanhas eleitorais em Portugal. É também na forma como se faz política.
Rui Rio tem razão quando defende que é preciso repensar o modelo das campanhas e de comunicação dos partidos. Mas, para isso, é preciso que os partidos políticos tenham nos seus quadros gente nova, qualificada, séria e capaz de construir a disrupção de que todos eles andam à procura. Ora, o PSD consegue ser um dos piores exemplos de comunicação política que existe atualmente no país. Não só pela mensagem equívoca e permanente, mas, sobretudo, pelas escolhas que o próprio Rui Rio fez. Basta lembrar a figura de Rodrigo Gonçalves, um cacique da política rasteira que integrou a equipa de comunicação do presidente social democrata e que acabou por se demitir recentemente, na sequência de uma notícia do DN sobre a existência de perfis falsos nas redes sociais do PSD.
Nada que não exista - a política rasteira -, de forma mais ou menos evidente, noutros partidos políticos em Portugal, a começar pelas intervenções tantas vezes patéticas de deputados nas redes sociais, que gastam grande parte do seu tempo em discussões de baixa política e a destilar ódio. Tudo isto faz parte da forma como os partidos comunicam com os seus eleitores. Tudo isto afasta as pessoas das urnas.
Mas, para além da forma como comunicam, há uma outra reflexão ainda mais profunda a fazer sobre as elevadas taxas de abstenção: o conteúdo - ou a falta dele - da mensagem política que, claramente, não está a chegar às pessoas. E isso não é apenas evidente nos partidos de centro-direita (PSD e CDS), que, nos últimos quatro anos, a cada eleição, perdem mais eleitorado. É também óbvio na dificuldade que um Partido Socialista, depois da crise, depois do défice quase a zero, depois de uma taxa de desemprego que desceu, tem em conseguir vitórias maioritárias. Alguma coisa está a falhar na mensagem política e nas ideias que o PS tem para Portugal porque a maioria dos portugueses - nenhuma sondagem o indica - continua a não lhe dar mais do que 33% ou 34% das intenções de voto.
E estão o Bloco de Esquerda e o PCP a crescer muito? Não. Os dois partidos continuam a fazer a dança das cadeiras - ora agora tenho eu mais deputados do que tu, ora agora tens tu mais deputados do que eu -, mas nunca se afastam muito da barreira dos 10%. Mais uma vez, alguma coisa estará a falhar e o mais provável é que sejam as políticas.
Que não se estranhe, por isso, o crescimento do PAN. Não apenas nestas Europeias, mas, sobretudo, nas próximas eleições legislativas. A TSF extrapolou as votações deste domingo para as legislativas de outubro e a primeira conclusão é que o PAN poderia eleger seis deputados à Assembleia da República com o resultado que teve. Três em Lisboa, dois no Porto e um em Setúbal. E porquê? Porque tem uma mensagem política que as pessoas compreendem e pela qual se interessam cada vez mais. Sobretudo os eleitores mais jovens. Isto aliado ao fator novidade, de um partido que ainda não é conotado com "o sistema", justifica plenamente este crescimento eleitoral. E, já agora, o Livre de Rui Tavares e o Aliança de Pedro Santana Lopes elegeriam um cada um.
O pior é que, se do PAN, do Livre ou do Aliança ninguém receia - para já - qualquer fenómeno de populismo, as elevadas taxas de abstenção que se têm verificado não deixam de ser um ecossistema perfeito para outros partidos, menos recomendáveis, se alimentarem e progressivamente fazerem o seu caminho. A mesma extrapolação da TSF dos resultados das Europeias deste domingo para as legislativas de 6 de outubro dá um deputado para o Basta de André Ventura. É um mero exercício académico, bem sei, mas suficientemente importante para obrigar todos os responsáveis políticos e todas as instituições que têm a obrigação de garantir a nossa democracia a refletirem e a tomarem medidas urgentes. Caso contrário, quando menos esperarmos, deixamos de ser um país livre de radicalismos e de populistas bacocos.