O falso capitão e o filho do inventor de papagaios de papel
Está para breve a estreia de um filme que, mais uma vez, fala da II Guerra Mundial. Este é, vá lá saber-se como, totalmente diferente de tudo o que já vi. Chama-se O Capitão e é a história verdadeira de um soldado desertor alemão que, na confusão dos últimos meses do conflito, se faz passar por um oficial com ordens diretas de Hitler. Este ponto de partida, resultante de um puro acaso, vai dar origem a uma sucessão de acontecimentos que parecem inacreditáveis. Se no fim não houvesse a informação de que o caso era real, poderia parecer uma construção bem urdida mas do capítulo das coisas que não podem acontecer, demasiado fantasiosas.
E no entanto aquilo aconteceu: uma violência que se potencia e alimenta gradualmente até ao grotesco, felliniano, como se a expressão "mal absoluto" precisasse de mais uma ilustração. Cada passo do soldado, incrivelmente jovem, vai tornar necessário um outro ainda pior, deixando o espectador cada vez mais perplexo. O próprio soldado feito capitão revela essa perplexidade, tem ligeiras hesitações, mas vai-se adaptando às exigências de cada momento. O desertor torna-se um carrasco mais cruel do que a própria máquina nazi. E por trás desta deriva está a sua capacidade de improvisar numa luta permanente pela sobrevivência.
O filme, a preto e branco, é assinado pelo realizador alemão Robert Schwentke e os atores não são rostos conhecidos. O protagonista Max Hubacher é excecional, tal como o seu ajudante (Milan Peschel), que tem o nome sugestivo de Freitag - Sexta-Feira, como o companheiro de Robinson Crusoe, criaturas de Daniel Defoe do início do século XVIII. Muito do que vemos é-nos mostrado pelo olhar deste homem de bigodinho, guardador da última reserva de decência que o capitão vai tentar corromper.
Fui procurar a história do capitão, Willi Herold, e encontrei uma outra, a do homem que investigou o caso do campo de concentração onde aquele cometeu crimes relatados no filme. O investigador chamava-se Theodore Pantcheff e veio a ser diplomata.
Se o caso do falso capitão ainda hoje é embaraçoso para os alemães, por revelar uma flagrante incompetência das Forças Armadas, enganadas por um rapaz, um outro caso investigado por Pantcheff foi embaraçoso para os britânicos. Trata-se da ocupação alemã das ilhas do canal da Mancha, entre 1940 e 1945. Uma das ilhas, Alderney, tinha sido evacuada em 1940 pelos britânicos, que a deram como não relevante em termos militares. Mas os alemães instalaram ali quatro campos de trabalho, incluindo Sylt, o único campo de concentração em solo britânico, onde estiveram detidos dez mil prisioneiros de guerra russos, polacos e ucranianos, franceses (incluindo indochineses que perfaziam a quota de franceses e até trabalhadores do Norte de África), republicanos espanhóis e judeus apanhados em França. O campo de concentração era chamado de "pequena Auschwitz", "Buchenwald do Ocidente", ou simplesmente Ilha do Diabo.
Pantcheff interrogou os alemães que estavam em Alderney no fim da guerra e concluiu que pelo menos 389 prisioneiros tinham sido mortos. Mais tarde, o número foi elevado para dois mil, mas as valas comuns não chegaram a ser estudadas. No seu relatório, recomendou que pelo menos o oficial alemão que comandava o campo fosse punido. O documento foi arquivado, acabou por desaparecer e Max List, o oficial das SS, veio a morrer nos anos 1980 em Hamburgo.
No ano passado, investigadores militares concluíram que os alemães tinham criado em Alderney uma fábrica de gases tóxicos e que tinham planeado usar o território para atacar a Grã-Bretanha - calcularam que essa operação poderia ter provocado a morte de 70 mil pessoas. Mas a ideia foi refutada por outros historiadores que a consideraram absurda.
Theodore Pantcheff seguiu depois a vida diplomática, ocupou postos em Lagos (Nigéria) e em Leopoldville (Kinshasa, Congo) e foi viver para Alderney. De seu nome completo Theodore Xenophon Henry Pantcheff, ele era filho de Ella Jessie, anestesista, e de Sophocles Xenophon Pantcheff, de origem búlgara e naturalizado britânico, um inventor que registou a patente dos papagaios de papel hexagonais.