A barata, esse pequeno animal dotado de superpoderes
O genoma da barata ou, melhor dizendo, os genomas de duas das cinco mil espécies de baratas foram descodificados e o resultado não é brincadeira nenhuma. Estes insetos têm características que lhes permitem sobreviver nos habitats mais extremos e fazem-no há milhões de anos. Foram contemporâneos dos dinossauros, há provas disso, e ainda cá estão com uma saúde indestrutível. Arrisco mesmo dizer que, em pleno século XXI, se sentiriam confortáveis dentro de uma lata de inseticida, reproduzindo-se com o maior à-vontade.
Por que é que isto importa? Do ponto de vista de quem se preocupa com o conteúdo de uma despensa, conhecer pormenorizadamente estas pestes é um passo no caminho para descobrir como dar cabo delas lá em casa. Decerto me compreende quem já teve a experiência de um dia descobrir uma baratinha que no momento seguinte se esgueira por um fenda invisível, no dia seguinte descobrir mais duas ou três e acabar em desespero na drogaria a suplicar por um produto radical. Para quem não saiba do que falo, explico o que é uma drogaria: loja recheada de produtos químicos onde há pessoas que sabem para que serve cada um, infelizmente com tendência para desaparecer.
(É só porque no outro dia uma professora amiga me contou que num exame recente de Português os alunos ficaram perplexos com a palavra "leiteiro" num poema de Cesário Verde, personagem que há umas dezenas de anos fazia parte do quotidiano de qualquer cidade e que hoje não existe de todo.)
Voltemos às baratas, que existem e estão para ficar, isso é garantido. Saber como é feito um inseto com uma resistência quase insuperável - dizem os cientistas que o gafanhoto está no número um do pódio e a barata fica no número dois - pode contribuir para encontrar mecanismos adaptáveis aos humanos ou criar medicamentos ou até fazer, como num estudo que vi na internet, robôs resistentes capazes das maiores acrobacias.
É um animal com superpoderes. Pode sobreviver uma semana sem cabeça. Pode atirar-se contra uma parede porque o seu exosqueleto, ou seja, a sua carapaça, aguenta melhor o choque do que um carro topo de gama. Pode alimentar-se de tudo, inclusive de outras baratas, vivas ou mortas. Pode regenerar patas que estejam destruídas ou em falta. Pode fabricar os seus próprios antibióticos. Pode mover-se em todas as direções, subir uma superfície vertical ou percorrer um teto, com uma rapidez vertiginosa. Pode ver o que o rodeia porque tem dois pares de olhos. Pode detetar comida ou químicos a grande distância porque tem mecanismos apuradíssimos para cheirar. Pode sobreviver em ambientes tóxicos e fatais para a maior parte dos outros seres e por isso os inseticidas, pesticidas e afins são ineficazes. Perante condições adversas, têm uma capacidade ímpar de se adaptar. É uma máquina infernal de sobrevivência. Falta-lhe o sentido social, a capacidade de se organizar como as formigas ou as abelhas num exército de trabalho. As análises ao ADN revelam, aliás, que as térmitas derivam das baratas - uma mutação que se deu há 50 milhões de anos - e são classificadas desde o ano passado como "baratas que comem madeira e têm aptidões sociais" - em inglês a expressão é mais sintética.
Tudo isto é possível ler em publicações científicas e, em versões mais acessíveis na comunicação social - o The New York Times e a NBCNews dedicaram-lhe nesta semana bastante espaço. Não porque seja uma bizarria e não só pelas possibilidades de investigação que se abrem, mas ainda mais porque o aquecimento global vem favorecer a proliferação destes animaizinhos que são um perigo potencial para a saúde pública.
Dito isto, confesso que tudo o que diz respeito a baratas me provoca bastante nojo. Vi em África baratas voadoras (têm um nome científico mas para mim são baratas voadoras) a atirar-se no que me parecia um voo às cegas, rapidíssimo, contra as paredes. Uma coisa exuberantemente tropical, enorme, castanho-arruivada, com asas. O próprio barulho produzido ao esmagar um destes animais é repugnante. Quem diria que são seres fascinantes e que o seu estudo poderia trazer benefícios?