Viagem até ao Sol

Durante quatro dias no verão de 1859, todos os sistemas telegráficos da Europa e Estados Unidos foram abaixo por causa de uma tempestade solar nunca antes vista. Seriam precisos mais 99 anos para que o astrofísico Eugene Parker fizesse uma descoberta fenomenal cujo caminho tinha sido preparado pelos antecessores: identificou como "vento solar" os grandes movimentos de partículas a partir da coroa do Sol responsáveis por interferências das comunicações, satélites, sistemas GPS e serviços elétricos. O vento solar transforma-se em tempestade geomagnética quando interage com o campo magnético da Terra, e foi isso que aconteceu nesse evento histórico há 160 anos. Então porque é que nunca fomos ao Sol tentar aprender mais sobre a estrela que tudo determina?

É uma questão que nunca me passou pela cabeça, porque não fazia ideia que fosse possível. Mesmo depois de assistir a apresentações estonteantes de Elon Musk, que quer replicar a civilização humana em Marte, a sugestão de que poderíamos enviar uma sonda ao Sol parecia-me absurda. Não haveria tecnologia suficientemente avançada para proteger o sistema de temperaturas tão elevadas. Chamamos-lhe bola de fogo porque é isso que imaginamos; uma estrela capaz de obliterar qualquer geringonça que lhe chegue de qualquer parte do espaço.

"Sentimos toda e qualquer coisa que esteja a acontecer com o Sol", resumiu a cientista Nicky Fox, do Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins, que é uma das líderes do projeto Parker Solar Probe. Isso mesmo. A NASA vai enviar uma nave até ao Sol, com data de lançamento marcada para 31 de julho deste ano, a bordo do foguetão Delta-IV Heavy. Irá tocar na superfície do sol e recolher informações até hoje impossíveis de descobrir. É uma missão tão arrojada que não haverá possibilidade de gestão remota. "É a nave mais independente que alguma vez foi lançada", revelou Nicky Fox, que explicou esta missão fascinante durante o festival South by Southwest, em Austin. "Se alguma coisa der para o torto, a nave tem de corrigir o problema sozinha. Está totalmente programada para autocorreção."

O nome da missão honra Eugene Parker, o astrofísico que definiu o conceito de ventos solares e cujo trabalho inspirou outros cientistas a quererem descobrir mais sobre o que está a acontecer no Sol. Demorou 60 anos porque durante todas estas décadas simplesmente não havia tecnologia que permitisse construir uma nave assim.

A Parker Solar Probe permitirá desvendar dois mistérios que rodeiam o Sol. O primeiro é desconcertante: porque é que a coroa, a parte exterior, é mais quente do que a superfície? "Não faz sentido. Desafia as leis da física", disse Fox. "É como afastarmo-nos de uma fogueira e sentirmos mais calor." Enquanto a superfície ronda os 6000°C, a coroa atinge os três milhões de graus centígrados. É 300 vezes mais quente e não há explicação para isto.

O outro mistério está relacionado com o vento solar. A NASA quer descobrir o que é que energiza os materiais nas camadas externas do Sol para que desencadeiem ventos solares.

Uma parte muito interessante deste projeto é que tem várias cientistas na liderança - e se há coisa que está a ser debatida sem filtros neste festival SXSW é o papel das mulheres em todas as indústrias, os movimentos Me Too, Time"s Up e outras hashtags sucedâneas. Deixou de haver vontade de pôr panos quentes nestes assuntos, e o lendário festival na capital do Texas soube bem o que estava a fazer quando convidou algumas das mulheres mais incríveis na tecnologia e na ciência para liderarem estes debates.

Elizabeth Congdon é um dos melhores exemplos disto. Baixinha, loira, simpática, descontraída, é a responsável pelo escudo de calor que vai proteger os componentes eletrónicos da Parker Solar Probe das temperaturas brutais do Sol. "Tivemos de esperar que a tecnologia chegasse aonde os nossos sonhos já estavam."

A descrição entusiasmada de Congdon deixou a audiência agarrada às cadeiras, a suster a respiração. Ouvir falar sobre algo tão incrível como naves espaciais que vão levar sistemas de monitorização ao Sol é uma experiência única; a sua intenção é revolucionar o conhecimento que a humanidade tem do Sol. "Vamos até ao Sol para perceber o que se passa lá no campo magnético", disse Congdon. "Talvez daqui a dez anos os livros ensinem coisas completamente diferentes sobre o Sol por causa desta missão." Se soubermos mais sobre a estrela que nos influencia, poderemos prever melhor os seus impactos na Terra.

É como encontrar a última peça do puzzle. Fazer o que ninguém imaginava em séculos de história da humanidade. "A Parker Solar Probe", disse Nicky Fox, "vai à última região do sistema solar que nos falta explorar." Depois disso, ir fazer estufas para Marte depois de pôr um Tesla Roadster a vaguear no Espaço vai parecer menos impossível.

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