Rocket man
Os dedos entrelaçados, o olhar vagueando pela sala, alguma hesitação na voz, as calças de ganga mal assentes sobre os sapatos, a camisa branca sem gravata por dentro do casaco preto. Esta figura desconcertante, do alto do seu 1,88 m de altura, regressou ao palco do Congresso Internacional de Astronáutica para explicar como irá assegurar a continuidade da raça humana no futuro.
"Não é uma gralha, embora seja uma aspiração", afirmou Elon Musk, segundos depois de mostrar um slide apontando para 2022 como o ano em que a sua empresa SpaceX enviará duas naves espaciais com carga para Marte. A reação da audiência foi silenciosa porque esta ambição não é uma surpresa. Musk tinha dito a mesma coisa no ano passado, no palco deste congresso, que decorria no México.
A grande diferença agora é que este visionário, este lunático, acha que descobriu uma forma de financiar o sistema de viagem interplanetário que permitirá levar carga e colonizadores humanos para Marte.
O conceito do sistema, que no ano passado Musk designava como ITS e agora aparece como BFR (sigla de Big Fucking Rocket, designação que surgiu após a apresentação de 2016), é o mesmo. Trata-se, como o nome deixa entrever, de um sistema gigantesco, algo nunca antes visto na história de exploração espacial. Contém nave, propulsor e intensificador e o racional baseia-se na reutilização dos foguetões, o reabastecimento em órbita e a produção dos propulsores em Marte. Nos últimos doze meses, desde que pôs os queixos de toda a gente no chão com as primeiras maquetas, Musk conquistou progressos significativos, desde os materiais aos testes - e a 16 aterragens de sucesso consecutivas.
A grande incógnita era como pagar por este sistema de proporções marcianas. A SpaceX, sediada aqui perto de Los Angeles, vai tentar canibalizar os seus outros sistemas (Falcon 9, Falcon Heavy, que chega no fim do ano, e Dragon) de modo a concentrar todos os recursos disponíveis no Big Fucking Rocket. A ideia é ter um veículo que se pode adaptar a qualquer tipo de missão. "Queremos tornar os nossos veículos atuais redundantes."
É claro que os clientes da empresa privada, que põe satélites em órbita e transporta carga para a Estação Espacial Internacional, querem ver o BFR a ser lançado e a aterrar várias vezes antes de aderirem à ideia. O surreal nisto tudo é que sabemos que Elon Musk vai conseguir fazê-lo. Quando ele fala, com um ecrã gigante por trás a mostrar simulações de aterragem na Lua e colónias humanas em Marte, nada parece impossível. É quase injusto chamar-lhe visionário, porque Musk é uma daquelas forças da natureza que fazem mesmo acontecer. No momento em que juntou meia dúzia de pessoas para conceber o foguetão Falcon 1, Musk não queria ser o diretor de design. Fê-lo porque não havia ninguém que pudesse contratar para o cargo. A verdade é que, numa década, a SpaceX elevou a fasquia de uma forma quase inconcebível. A corrida à Lua e a Marte é real, em grande parte, por causa dele.
Enquanto muita gente olha para estes planos com risota, todos iremos beneficiar deles. "Estamos em 2017, já devíamos ter uma base lunar. Que raio se passa?", questionou Musk. A Lua é quase um objetivo fácil, em comparação com Marte. A primeira missão tripulada ao Planeta Vermelho está marcada para 2024, dois anos depois da aterragem prevista de duas naves com carga. A janela de oportunidade para lançar uma missão a Marte ocorre de 26 em 26 meses, o que significa que o calendário de 2024 está pendente do sucesso da primeira missão, dentro de cinco anos - que para Musk é "muito tempo". Talvez seja, para quem encara os dias como ele. Enquanto nós nos levantamos à segunda-feira a precisar de uma bica extra, Musk desperta com o futuro da humanidade no pensamento. A sobrevivência da raça humana depende da sua capacidade de se tornar multiplanetária, acredita dele. O plano é levar para Marte cerca de cem pessoas de cada vez, duas ou três por cabine de voo, e começar a construir a base para a expansão. "Com o tempo, vamos terraformar Marte e torná-lo um lugar simpático para viver." Matt Damon talvez discorde. Mas a verdade é que este Big Fucking Rocket não será apenas para os loucos sem medo de morrer numa viagem sem regresso. Se a SpaceX construir uma nave que permite levar humanos para outros planetas, porque não usá-la também para viagens dentro do planeta Terra? É aqui que a coisa se torna interessante para toda a gente. Musk quer revolucionar o transporte terráqueo, levando passageiros de Nova Iorque a Xangai em 39 minutos, a 27 mil quilómetros por hora. "A maioria das viagens levará 30 minutos", disse, e será possível viajar entre quaisquer dois pontos do planeta em menos de uma hora.
"Podes fazê-lo!" gritou um cientista do meio da audiência. Elon Musk agradeceu, sorrindo. Com ele, o que parece difícil é não sonhar.
Em Los Angeles