A abençoada vitória do medo

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Sampaio da Nóvoa, ex-reitor, ex-membro da LUAR, talvez licenciado em teatro, foi nestas eleições o equivalente moderno ("moderno", no caso, é claramente força de expressão) do homem do saco ou do papão. Não conheço uma pessoa que prometesse jovial e convictamente votar em Marcelo, incluindo eu próprio, que me debati com o assunto até segurar no boletim. No fim de contas, porém, acabei por fazê-lo, eu e os largos milhares de portugueses que durante semanas não conseguiram descobrir sequer dois motivos para eleger o popular comentador televisivo. Descobrimos um: derrotar o homem do saco, perdão, o prof. da Nóvoa.

Desde que visitou a festa do "Avante!", Marcelo não disse uma frase capaz de levar uma pessoa que não é de esquerda a considerar: sim senhor, está muito bem visto. O problema é que o prof. da Nóvoa disse inúmeras frases, ora vazias, ora aterradoras, ora reveladoras de que havia por ali um qualquer fusível queimado. Para cada suspeita de que Marcelo não seria o contraponto ideal a um governo calamitoso, o prof. da Nóvoa abria a boca e garantia que a calamidade era o seu objectivo. Por cada sujeito sensato desconfiado de Marcelo, surgiam cinquenta maluquinhos entusiasmados com o prof. da Nóvoa. A cada esforço de Marcelo para se afastar dos seus potenciais apoiantes, os maluquinhos do prof. da Nóvoa empurravam-no de volta às origens. Marcelo, que o vulgo considera inteligentíssimo, cometeu erros mais do que suficientes para perder as eleições. O prof. da Nóvoa, que só em Portugal e na Bolívia passaria por um intelectual, devolveu-lhe a esperança.

Somado à espécie de governo em funções, o prof. da Nóvoa representaria de facto o tempo novo da ladainha, um tempo em que o país permaneceria na Europa apenas por inevitabilidade geográfica, tornando-se essencialmente uma alegoria dissuasora. Um tempo de pobreza, susceptível de inspirar saudades da "austeridade". Um tempo de exéquias. Perante isto, ganhou o medo, às vezes um óptimo conselheiro. Marcelo, o Ambíguo, prepara-se para habitar Belém e o homem do saco viu-se despachado para as catacumbas de 1968. Quanto a nós, cá vamos andando, obrigadinho, certos de que não iremos longe. Dado que à frente há um abismo, é uma agradável notícia.

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