Recorda-se do Koweit?
Contaram-me que parte do buffet do Dia Nacional do Koweit foi distribuído pelos sem-abrigo, há umas semanas. E pelo terceiro ano consecutivo, desde que o atual embaixador chegou a Lisboa em 2016 e - vivendo no Hotel Tivoli à espera de que se completassem as obras na residência oficial - ficou impressionado com o trabalho da Comunidade Vida e Paz na Avenida da Liberdade. Ora, este, já sabia eu e graças ao próprio DN, é um diplomata fora do comum. Em 2016, numa reportagem de Pedro Sousa Tavares sobre a logística das embaixadas o título foi "Da honra de ter em Lisboa o príncipe do Koweit ao chef português da França". Estava desfeito o segredo. O xeque Fahad Salim al-Sabah, que entretanto entrevistei, pertence à família real koweitiana. É primo do emir Sabah al-Ahmad al-Jaber al-Sabah.
Na tal entrevista, há mais de um ano, o embaixador recordava as aventuras do seu povo pelo golfo Pérsico fora em busca de pérolas. Mas é ao petróleo que associamos o moderno Koweit, e foi por causa do petróleo que o país encheu as televisões em agosto de 1990, quando as tropas iraquianas o invadiram, mandadas por um Saddam Hussein cobiçoso das riquezas do vizinho e que quis anexá-lo como 19.ª província. O mundo indignou-se. E, como a Guerra Fria estava prestes a acabar, as superpotências Estados Unidos e União Soviética entenderam--se para um ultimato sob a égide da ONU. Saddam não cedeu, em janeiro de 1991 as suas tropas foram atacadas por uma coligação internacional e em fevereiro o Koweit podia festejar a libertação. O primeiro buffet que o príncipe ofereceu à Comunidade Vida e Paz foi da festa que assinalava também os 25 anos dessa vitória.
Nunca estive no Koweit, mas numa reportagem no Iraque, ainda no tempo de Saddam, gastei 15 dólares num velho Timex. O que tinha esse relógio? Teria sido pilhado de uma relojoaria na cidade do Koweit e um soldado iraquiano colou no mostrador uma foto do presidente. Dois meses depois desta compra, em março de 2003, o Iraque foi de novo atacado pelos Estados Unidos e Saddam caiu. O relógio é agora souvenir de uma época que já não existe.
Mas e a família Sabah, à qual pertence o embaixador em Lisboa e que recuperou o seu trono graças à solidariedade internacional? O Koweit tem dado poucas notícias nos anos recentes. Não construiu o maior arranha-céus do mundo como os Emirados Árabes Unidos, nem vai organizar um Campeonato Mundial de Futebol como o Qatar, nem entrou numa vaga frenética de reformas como a Arábia Saudita. Tornou-se depois de 1991 numa monarquia constitucional, isso é sabido. Mas como está hoje esse país que se orgulha da convivência entre sunitas e xiitas e até conta com uma pequena comunidade de cristãos autóctones? O Democracy Index coloca o país em 119.º do mundo, o que dito assim não impressiona. Mas, olhando bem, é a melhor classificação das monarquias da região ou, como diz a revista The Economist (responsável pelo Index), "o mais parecido que há com uma democracia no Golfo".