Pagar igual por trabalho igual
Não sou pelos exageros justificados com arroubos feministas que acabam com todo o tipo de demonstrações, físicas e verbais, comparáveis à mitológica queima dos soutiens. Tão-pouco acho que igualdade significa literalmente tratar de igual modo aquilo que é diferente - o que há é que reconhecer a diferença e criar condições iguais para todos poderem chegar o mais longe possível. Mas há coisas que simplesmente não se entende que persistam em pleno século XXI. Uma delas é a disparidade de salários entre homens e mulheres que desempenham iguais funções.
É verdade que a esmagadora maioria das mulheres começou a fazer assumidamente parte do mercado de trabalho há relativamente poucas décadas - façamos o exercício de fingir que fora as famílias mais remediadas havia milhares de mulheres a cozinhar, a coser, a limpar, a vender o que conseguiam cultivar ou encontrar, a tomar conta de meninos mais afortunados; e que longe dos centros urbanos elas não eram fundamentais no cultivo dos campos -, mas isso servirá apenas e só para justificar que alguma vez tenha havido diferenciação. Hoje, virado o século, é no mínimo surreal que ainda estejamos a ter esta discussão e a aceitar que se prolonguem os desequilíbrios por mais de uma década com medidas para implementar até 2030.
A questão é bastante simples: trabalho igual deve ser remunerado pela mesma tabela. E na competência, o género pesa tanto quanto o tamanho do dedo mindinho. É aqui que não devíamos aceitar ceder - e no entanto, por cá, só houve oito queixas de desigualdade salarial na última década, o que diz muito sobre o sentimento instalado. Se quem é vítima desta distinção se fizesse ouvir com a mesma veemência com que alguns protestam por causas que por vezes roçam o ridículo, a desigualdade salarial já tinha sido apagada do nosso mapa. Se quem legisla de facto se escandalizasse com estas diferenças, é certo que ela já não existia - alterações bem menos importantes e mais caras para quem teve de as implementar foram impostas com muito menos margem de fuga e atraso.
É esta a questão essencial: ninguém está ativamente empenhado em acabar com a desigualdade salarial. A começar pelas mulheres. E isso é que tem de mudar.