O circo

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Numa entrevista à France 2 em julho, dias depois de se confirmar que Durão Barroso iria assumir o cargo de chairman no Goldman Sachs, Juncker foi claro: "Eu não o faria", mas "o senhor Barroso respeitou todos os procedimentos". O mal-estar, porém, continuou a crescer. Moscovici disse que a decisão do ex-presidente da Comissão Europeia era legítima mas chocante. Hollande -- que no mesmo mês esteve debaixo de fogo por gastar dez mil euros mensais do Eliseu a pagar a um cabeleireiro -- considerou-a "moralmente inaceitável". E a pressão foi subindo até o seu sucessor decidir tomar medidas. Passadeira vermelha retirada a Barroso, que será tratado em Bruxelas como um "representante de interesses", submetido às regras a que obedecem os lobistas. Decisão de Juncker, o mesmo que, dias antes, fazia manchetes pelo seu envolvimento na decisão do Luxemburgo de oferecer um regime fiscal altamente apetecível à Fiat e à Amazon, contratos hoje sob investigação da comissária europeia Margrethe Vestager. O que se discutiu nestes dois meses não foi a legitimidade nem sequer a legalidade do passo dado por Barroso - até porque aí não há dúvidas: tudo foi feito como mandam as regras. Tão-pouco se quis evitar novos incómodos com uma discussão séria e medidas que tornassem mais claras e restritivas as regras para o tipo de cargos que alguém que teve altas responsabilidades nas instituições europeias poderia aceitar. O único plano de discussão parece mesmo ser o moral. Durão Barroso precisava disto? Provavelmente não, mas é uma decisão que apenas cabe ao próprio. Vai usar os conhecimentos adquiridos em Bruxelas para beneficiar o banco de investimento? Claramente o banco conta com isso - não será a retirada da passadeira vermelha que o impedirá de fazer os contactos que quiser. E aceitar liderar o Goldman não é acabar a carreira com uma mancha tremenda? Não parece ter feito mossa no percurso de Mario Draghi (podíamos aqui escrever Mario Monti, Lucas Papadémos e muitos outros que passaram por lá). Entre 2002 e 2005, quando o banco de investimento terá ajudado a maquilhar as contas da Grécia, Draghi tinha funções executivas no Goldman -- onde foi vice-presidente e diretor executivo. Bruxelas não gostou que Durão tivesse aceitado o cargo, mas já fez o que tinha a fazer -- pesará ainda retirar-lhe a pensão. Caso arrumado. Se alguém ficou verdadeiramente incomodado só saberemos daqui a uns tempos -- se a Europa apertar as regras. Caso contrário, o circo terá servido os seus propósitos.

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