A China vale bem uns bispos
Por muito chocantes que sejam as críticas de Joseph Zen, cardeal de Hong Kong, ao modo como o Vaticano está a negociar uma normalização de relações com a China, na verdade não há nada de surpreendente na atuação de Francisco, pois o atual Papa sempre se mostrou disposto a entender-se com os governantes de Pequim. Aliás, a sua visita à Coreia do Sul, em 2014, mostrara já como está em mudança acelerada a relação entre o Papa e a China, porque não só o avião de Francisco foi autorizado a sobrevoar o gigante asiático (ao contrário do que aconteceu quando João Paulo II foi a Seul) como o chefe máximo da Igreja Católica aproveitou esse momento para saudar o presidente Xi Jinping.
Vaticano e Pequim disputam hoje o direito a nomear os bispos. E por isso existem na China uma igreja católica clandestina, obediente ao Papa, e uma Igreja Católica oficial, leal ao Partido Comunista. Serão pelo menos dez milhões os crentes divididos ao meio entre as duas facões. Como não parece que Xi queira ceder à questão do controlo pelo Estado das várias religiões, o mais certo é o Vaticano preparar algum tipo de cedência que facilite a vida aos católicos chineses sem que isso represente uma real submissão doutrinária aos governantes de Pequim.
Diz o cardeal Zen que o Vaticano faz mal em ceder na questão dos bispos, mas Francisco vê mais longe: embora recuse a ideia de querer uma conquista cristã da Ásia, a verdade é que a missionação da região está nas prioridades do Papa argentino, que além da visita à Coreia do Sul tem ido muitíssimo ao Oriente, pois esteve já no Sri Lanka e nas Filipinas e depois também na Birmânia e no Bangladesh, planeando neste ano ainda ir à Índia. E imaginemos quantos católicos potenciais pode a imensa China ocultar, sobretudo tendo em conta uma sociedade que cada vez é mais próspera mas não quer (e nisto o Vaticano e o PC Chinês estão de acordo) que o dinheiro se torne no novo Deus de ricos e remediados.
Um barómetro importante de como está a decorrer esta aproximação entre o Vaticano e a China é o estado das relações com Taiwan. A ilha, com liberdade religiosa e oficialmente denominada de República da China, tem relações diplomáticas com o Vaticano, um da sua vintena de aliados. Se Francisco mostrar em breve que quer trocar Taipé por Pequim, então, além da vitória simbólica comunista na disputa interchinesa que vem da guerra civil de 1946-1949 perdida pelos nacionalistas, será evidente que Vaticano e China chegaram a um entendimento que defende os interesses de ambos.