A Alemanha superarmada
Mike Pence foi à tradicional conferência sobre segurança que todos os invernos se realiza em Munique elogiar a NATO e reafirmar o compromisso dos Estados Unidos com a Aliança Atlântica. Mas na linha de Donald Trump, o vice-presidente americano não deixou de exigir mais envolvimento dos parceiros europeus, o que significa mais gastos em defesa, se possível já os 2% do PIB, que são a fasquia negociada desde que a Rússia anexou a Crimeia há três anos.
Ora, dos grandes países europeus, só o Reino Unido cumpre os 2% acordados na cimeira da NATO de 2014 em Gales (a Polónia também, mas a sua economia não está ao nível da demografia). A França falha por pouco, mas a Alemanha, a Itália e a Espanha estão muito aquém do esperado pelos americanos. E Pence falar tão claramente em Munique significa que as atenções estão sobretudo centradas na Alemanha, primeira potência económica europeia e quarta a nível mundial.
Sabe-se que a chanceler Angela Merkel não é muito pressionável. E que a Alemanha, que até tem aumentado o seu orçamento militar, só conta atingir os 2% do PIB em 2024. O que significa que Trump vai ter de ser paciente com os alemães para bem da parceria.
Mas mesmo que Merkel, favorita neste ano a ganhar um quarto mandato, estivesse disposta a fazer a vontade a Trump e a Pence talvez tal não fosse uma boa ideia para a Aliança Atlântica. É duvidoso que outros países da própria NATO ficassem tranquilos perante um salto do orçamento militar alemão dos atuais 36 mil milhões para os 60 mil milhões. Isso representaria uma supremacia militar alemã na Europa nada fácil de digerir por aliados como o Reino Unido e a França, já para não falar também da Polónia, por muito que hoje esta esteja preocupada antes com a Rússia. E que dizer da reação de Moscovo? De um momento para o outro, a Alemanha passaria de nona potência militar para terceira, só atrás dos Estados Unidos e da China.
Talvez até fosse bom que a Alemanha atingisse já esse patamar, pondo fim aos medos herdados da Segunda Guerra Mundial (e que condicionam também outro aliado americano, o Japão, ainda que fora do âmbito da NATO). Mas o risco de mal-entendidos é demasiado forte num continente onde a história pesa muito. Aqui está uma lição que a nova liderança americana vai ter de perceber. É que nem sempre basta ter os números a dar razão.