OPI ANA PAULA LABORINHO -- Salvar o nosso futuro
Para o mundo diplomático, o mês de setembro é marcado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, acompanhada de forma longínqua por grande parte dos cidadãos. Este ano a guerra da Ucrânia dominou as intervenções dos líderes mundiais, com presenças e ausências escrutinadas pela comunicação social e pelos debates públicos. Para nós, portugueses, não nos pode ser indiferente o trabalho do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, limitado na sua intervenção pela vontade dos países, mas conseguindo usar todos os meios para superar barreiras quase intransponíveis, como recentemente aconteceu com o transporte de cereais da Ucrânia ou a libertação de civis do complexo de Azovstal. É um esforço silencioso e muito lento, de que gostaríamos de ver mais resultados, mas a diplomacia requer tempo, muita resiliência e discernimento.
O senso comum tem muitas vezes uma imagem caricatural da diplomacia - uns tantos comendo pastéis e bebendo vinhos generosos - sem atender à importância de muitos desses encontros informais, em que se prepara a resolução de complexos problemas, antes de chegarem à mesa de negociações em que as posições podem ser mais estremadas. António Guterres não é um diplomata de carreira, mas toda a sua ação se construiu tendo por base o diálogo, a ação silenciosa e, como característica própria, uma grande atenção aos mais frágeis e desfavorecidos. É muitas vezes recordada (e até parodiada) a sua "paixão pela Educação", que foi um dos mais fortes slogans eleitorais que transportou para os dois governos que chefiou entre 1995 e 2002. Já nessa altura, tinha a plena convicção da importância decisiva da qualificação dos portugueses, caminho das pedras que continuamos a trilhar, mas permitiu chegarmos a 2022 com resultados assinaláveis e internacionalmente admirados.
O atual secretário-geral das Nações Unidas levou consigo a paixão pela Educação. Em 2018, aquando do lançamento do Fundo Financeiro Internacional para a Educação, que tem o apoio da ONU e do Banco Mundial, António Guterres declarava que "a educação deve ser a paixão de todos os governos, mas também a paixão da comunidade internacional." Foi também ele um dos primeiros a alertar para as consequências da pandemia na Educação, aquilo que designou por "catástrofe geracional", com 160 países a encerrarem as escolas, o que afetou o percurso de mais de mil milhões de estudantes, em particular as crianças e jovens das comunidades mais desfavorecidas, deslocados, refugiados ou em zonas remotas. Ainda durante o pico da pandemia, a ONU lançou a campanha "Save Our Future" que pretendia identificar as prioridades da Educação, a mais urgente sendo a reabertura das escolas assim que a Covid-19 estivesse controlada.
Não é, pois, surpreendente que a 77ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, que teve início a 14 de setembro, coincidisse este ano com uma Cimeira dedicada à urgente necessidade de transformar a educação (Transforming Education Summit), em que, além de ministros e decisores, participaram outras vozes implicadas, como os jovens, principais beneficiários. "Cada pessoa nesta sala sabe que a Educação transforma vidas, economias e sociedades, mas também sabemos que devemos transformar a Educação (...) porque está em profunda crise", alertou António Guterres na abertura desta Cimeira. Referindo um relatório da Comissão Internacional sobre o Futuro da Educação que critica os Sistemas Educativos, por apenas favorecerem a competição para conseguir títulos, o secretário-geral das Nações Unidas considerou que os currículos estão desatualizados e não levam em conta a aprendizagem contínua, é preciso alterar a formação dos professores que, além disso, são desvalorizados e mal pagos, e a tecnologia deixa de lado os alunos mais pobres.
Nestes tempos que vivemos, mais do que uma paixão, temos de apelar a uma revolução na Educação. Difícil e decerto muito polémico, mas um importante contributo para salvar o futuro.
Diretora em Portugal da Organização de Estados Ibero-Americanos