Operação do Martim Moniz: "E tudo o vento levou"

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Nem mesmo os ventos do Natal conseguiram conter o amontoado de comentários que se fizeram ouvir com uma crítica acérrima à ação operacional que a PSP decidiu, certamente por motu proprio, levar a cabo na zona da Mouraria, pintando o cenário, desequilibradamente, de forma horrenda e semítica, havendo até quem ousasse equivalê-la ao Holocausto. 

Parece-me importante recordar que a Polícia está, como sempre esteve, ao serviço do país e das pessoas, subordinando a sua atuação à Constituição e à lei, devendo estar, como alguém dizia este fim de semana, acima de qualquer partido, não devendo por isso admitir-se uma politização da segurança tanto quanto não se deve admitir uma policialização do Estado.

Ambos os caminhos são errados, ambas as visões não servem os interesses do país, nem contribuem para a segurança que pretendemos sentir, nas nossas casas, nas nossas ruas, entre as nossas pessoas, sejam elas portuguesas ou não. A segurança é de todos e para todos. 

E é aqui que começam as aleivosias que certamente não irei conseguir pontificar na totalidade e que, admito, nem pretendo, dada a sua tremenda falta de acerto por parte de vários comentadores de bancada que de repente passaram a perceber de técnicas, táticas e metodologias de polícia, criticando até o Patriarca de Lisboa por apelar à prudência na crítica barata, bradando ao céu comentários, votos de protesto, petições e até uma carta à Sra. Provedora de Justiça, por considerarem que a atuação da Polícia foi desumana, excessiva e, pior, segundo alguns, direcionada para os migrantes, tudo a favor de uma qualquer espetacularidade hollywoodesca que preenchesse as parangonas dos jornais.

A Polícia, como muito bem foi explicado, não planeia estas ações operacionais de forma arbitrária ou à “Rambo”, como se estivéssemos a tratar de uma “feira de gado” (como outrora ouvimos). A Polícia faz um acompanhamento pleno das dinâmicas e fluxos criminais para que, a par de todas as demais metodologias de policiamento, nas quais obviamente se inclui o policiamento de proximidade e o policiamento comunitário, desenvolva ações preventivas mais reforçadas tendo em vista a reversão da crise securitária que se vai instalando em determinados territórios.

Como? Através de mecanismos legais excecionais que estão previstos, como estão fartos de ser repassados, na Lei das Armas e na Lei de Segurança Interna, assente em razões justificadas de prevenção criminal e avaliação de perigo.  Não é por ser a Mouraria, a Alta de Lisboa ou a Cova da Moura. A decisão não assenta, como alguns comentadores de vão de escada querem fazer crer, alguns deles auto-apodados peritos em migração, numa deriva xenófoba e assente na humilhação de fações de migrantes, mas sim por se perceber que os níveis de insegurança na zona - e alguém diga que mais de 50 ocorrências com armas, com pessoas roubadas, esfaqueadas e até assassinadas não é fator de preocupação - estão a atingir níveis críticos, sendo necessário agir. Foi com esse propósito que o legislador inscreveu este instrumento excecional, permitindo às Polícias fazerem uso delas, e com elas lançar mão de medidas típicas e próprias do processo penal, lembrando, todavia, que estas operações são previamente sancionadas pelo Ministério Público (que tem sido estranhamente esquecido), e que têm o encargo de aferir, logo a montante, se existe suficiência de riscos que legitime a atuação. E foi exatamente isso que aconteceu neste caso como noutras dezenas que ocorrem todos os anos nas mais diversas Mourarias do país, independentemente das comunidades que lá vivam, isto porque esse é um fator de ponderação totalmente irrelevante nesta tipologia de operações. O que é relevante é a análise de risco demonstrar a existência de um foco sedimentado de problemas numa determinada zona, como existia, e almejar com ela a deteção e apreensão, entre outras, de armas e objetos que ali são usados de forma recorrente para perpetrar crimes graves.

Acharem, como ouvimos, que dois detidos, um cidadão nacional, outro estrangeiro, que ficaram em prisão preventiva, um deles por estar indiciado na prática de 8 graves roubos, e a apreensão de 1 faca e vários bastões, entre outros objetos, traduz, de per se, a flagrante desproporcionalidade da atuação, é mesmo de quem não faz mesmo ideia do número de pessoas que são brutalmente agredidas com paus, facas e outros objetos naquela zona, achando que por lá ter passado duas vezes nos últimos 10 anos, passou a conhecer as pulsões sociais e criminais do espaço.   

Mas há mais duas interrogações que queria deixar. 

A primeira dirigida à IGAI que, aparentemente, sem que tenham recebido qualquer queixa ou denúncia, logo à cabeça, por parte do Ministério Público que, volto a assinalar, esteve a acompanhar toda a operação e que, pelo menos que se saiba, sendo um dos mais importantes guardiões da legalidade, não terá vislumbrado qualquer excesso durante a operação e decide, por motu proprio, instaurar um processo de averiguações à atuação da Polícia. Um tanto ao quanto estranho, pelo menos no plano da legalidade, já que no plano técnico, no que às revistas de segurança e buscas diz respeito, pensamos inexistirem técnicas qualificáveis como atípicas quando por comparação às polícias modernas de todo o mundo, por muito que as queiramos recortar como indignas, desumanas e humilhantes apenas porque a pessoa esta virada para a parede, e não para o Polícia – e penso não ser preciso grande explicação para perceber que ela visa proteger o Polícia que está a trabalhar, evitando que o revistado se possa constituir como fonte de perigo ou ameaça durante o procedimento.  

A segunda tem que ver com a chamada da Provedora de Justiça à colação, que se segue à carta aberta subscrita por 21 personalidades, algumas com responsabilidade política, atual e passada, passando mais uma vez uma ideia de descrédito e desconfiança, não só para com a Polícias e os seus Comandantes, como para com o Ministério Público e, desta feita, os Tribunais. Não é nada bom sinal, e não nos parece muito respeitador das instituições democráticas do país. Indague-se a Procuradoria-Geral da República antes de continuarmos a dar lastro a comentários e ações potestativas que têm como único fito travar uma guerrilha política. A Polícia não joga nesse campo nem tão pouco é, nem será, uma marioneta de agendas políticas. E como sempre, de forma democrática, saberá dar a cara e assumir a responsabilidade dos seus atos, sem que queiram fazer dela, como estão a fazer, um bode expiatório ou [pior] um bicho papão, isso sim gera insegurança, e nem mesmo os imensos novos “técnicos” da área de segurança, munidos com uma arma, um bastão e um par de algemas, conseguiriam restabelecer. 

As pessoas estão contentes e confiam nos nossos Polícias, não as enganemos. 

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