“Onde vai um vão todos”: O futebol que dá lições à política

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No futebol, sobretudo entre os grandes clubes portugueses e internacionais, há algo que transcende o jogo jogado: os cânticos, as frases. Expressões como “Onde vai um vão todos” (Sporting Clube de Portugal), “Dizem que somos loucos da cabeça, amamos o Benfica com certeza” (S.L. Benfica) ou “You’ll Never Walk Alone” (Liverpool FC) são mais do que slogans. São compromissos emocionais, pactos de pertença, declarações de solidariedade coletiva. E que se aplicam quando as coisas correm bem como quando correm mal. São hinos à união, à raça e à ultrapassagem de obstáculos. Há algo de profundamente nobre, quase utópico, nestas palavras que, ironicamente, fazem mais sentido no universo ruidoso do futebol do que na esfera teoricamente mais serena — ou que deveria sê-lo — da política.

Se transportássemos estas máximas para o campo da política, o contraste seria gritante. Em vez de irmandade, temos fragmentação. Em vez de construção coletiva, há uma coreografia ensaiada de protagonismos individuais. Em vez de representação genuína dos interesses das populações, há uma espécie de jogo de sombras, onde a retórica substitui a realidade e o eleitorado é tratado como função utilidade ou como mero figurante.

“Onde vai um vão todos” deveria ser um princípio orientador de uma Assembleia da República depois de eleita e de uma governação. A ideia de que ninguém fica para trás, de que há um destino comum e um esforço coletivo. Isto é tudo aquilo que a política deixou de representar. Hoje, as instituições e os partidos políticos vivem distantes da rua, das escolas, dos centros de saúde, dos bairros onde se fazem contas ao cêntimo. O eleitor, esse, olha de fora — e cada vez mais — como quem vê um jogo em que não participa e cujas regras desconhece.

O futebol, com todas as suas paixões, também tem óbvios desvios: exageros, confrontos, desrespeitos. Mas, curiosamente, é no futebol que se encontra uma ideia de comunidade que a política abandonou. Um estádio vibra com vitórias, sofre com derrotas, mas nunca perde o sentido de pertença e de união. Já na política, o jogo está cada vez mais profissionalizado, higienizado e, paradoxalmente, desprovido de alma.

“Somos muitos, somos fortes” ou “Juntos somos invencíveis” — cânticos banais para uns — deveriam fazer pensar uma Assembleia da República, os vários partidos políticos, as coligações, os Conselhos de Ministros, a forma como se olha para o país e se deve fazer diferente. São recordatórias à missão de unir, construir, representar e, igualmente, servir. Não se trata de importar o ruído das claques para os bastidores ou os holofotes do poder político. Antes de recuperar o espírito de corpo, de compromisso, de responsabilidade partilhada. E o sentido de Estado e institucional que tanta falta faz.

Durante a campanha assisti demasiadas vezes a jogo baixo, sem ideias, baseado no ataque pessoal. Assisti a derrotas com palavras de ódio. Assisti a um país que se tornou pobre na sua democracia. E que, visivelmente, não percebeu a mensagem trazida pelos radicalismos, preferindo o discurso de umbigo e colocando o pé em cima da construção coletiva.

Na política, faltam quadros, faltam extremos e avançados com visão, médios de construção e defesas que protejam o que importa: o bem comum. E faltam seguramente grandes treinadores, sobretudo na humildade, capazes de pôr todos a jogar em prol da nação.

No fundo, todos sabemos a verdade: um país, como uma equipa, só ganha quando joga em conjunto. E os discursos dos perdedores destas eleições, e mesmo de alguns ganhadores, afastaram ainda mais o país daqueles que, diariamente, trabalham para o construir.  É triste.

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