Onde estão os líderes que a Europa precisa?
Nestes tempos de incertezas e de oportunismo político, a mensagem que repito frequentemente é clara: não se deve ter medo nem ficar calado. A resposta aos ditadores, aos carreiristas manhosos, e também aos ingénuos que têm subido na vida pública graças a sofismas simplistas, que repetem até à exaustão, precisa de ser corajosa e dita alta e bom som. A ambiguidade e o silêncio perante os que mandam na política sem respeitar a dignidade das pessoas, os valores universais e a solidariedade entre os povos, não são admissíveis, para mais em democracia.
Uma vez no poder, essa gente, sejam eles da extrema-direita ou radicais esquerdistas, são umas feras, que não aceitam qualquer tipo de oposição. Assim acontece com Donald Trump. E, noutras esferas, com Kim Jong-un, Vladimir Putin e similares, e com vários outros, alguns menos falados, como por exemplo Teodoro Obiang, nosso parceiro na CPLP. E também acontecerá, se essas personalidades alguma vez chegarem ao topo do poder, nos casos de Marine Le Pen, Jean-Luc Mélenchon, Andrei Babis, Matteo Salvini, Santiago Abascal, Alice Weidel ou Sara Wagenknecht, ou ainda Ione Belarra. Esta é uma lista meramente indicativa. E que não esquece os nossos ultradireitistas e os jovens políticos de ideias simples que se sentam na Assembleia da República e que também intoxicam regularmente a opinião pública através de uma comunicação social acrítica. Esses aprendizes de feiticeiro têm, secretamente, fantasmas estalinistas como fontes de inspiração. Os seus sonhos seriam os nossos pesadelos.
Todos, de um lado e do outro, são potencialmente um perigo, não haja ilusões. Esta é uma fotografia rápida do mundo em que nos encontramos. Ficará mais completa se incluir a mediocridade que anda pelas ruas do centro da vida política.
A experiência ensina-nos que líderes ao centro do espectro político, sem grande carisma, sem garra nem capacidade de comunicar, acabam por ficar prisioneiros das minorias radicais. Votar por um medíocre do centro-direita tem o risco de trazer para o poder e dar força a movimentos extremistas de direita: o medíocre precisa de uma coligação desse tipo para assegurar uma maioria no parlamento e para se aguentar à frente do seu partido. É o que está a acontecer nalguns países europeus – de repente temos Bruno Retailleau, aparentado à extrema-direita francesa, como ministro do Interior em França, ou Theo Francken, um ultranacionalista da direita racista flamenga, como Ministro da Defesa na Bélgica. Dois exemplos, entre vários.
O contrário também é verdade. Quando o líder do centro-esquerda é fraco, pouco empático e gratuitamente arrogante, votar na sua lista é como abrir as portas às ideias irrealistas que os esquerdistas nos tentam impingir. Um dirigente centro-esquerda de meia-tigela é a alavanca ideal para levantar uma coligação dependente e dominada pelos radicais estalinistas e semelhantes. Chega-se a primeiro-ministro, mas com punhais irrealistas, radicais e tolos encostados às costas.
Trata-se, em ambos os casos, de soluções que não atam nem desatam. Só servem para enganar uma parte do eleitorado e arruinar o país que dizem querer governar. Cabe aos cidadãos mais esclarecidos e sérios denunciar essas farsas. É um dever cívico.
A Alemanha ainda é um caso à parte: o centro-direita procura, como acaba de o conseguir, uma aliança equilibrada ao centro, para estabelecer um cordão sanitário que evite arranjos com Alice Weidel, a patroa da Alternativa para a Alemanha, a AfD cavalo de Troia nazi, ou com Sara Wagenknecht, chefe de um partido extremista bastante bizarro, uma caldeirada incoerente. Tão estranho, como o mostra o facto de o partido ter como designação oficial o nome da própria Sara, a sua dirigente.
No seu conjunto, a Europa, perante Putin, Trump, Orban, Erdogan e outros empenhados no desmantelamento da UE, não parece ter líderes à altura. Esta vulnerabilidade deve deixar-nos profundamente preocupados. Lideranças credíveis e corajosas, firmes no tratamento com criminosos de guerra, com excêntricos e com abutres imperialistas formatados pelas ideias do Século XIX, são uma necessidade absoluta na Europa de hoje. Face às ameaças que vivemos, precisamos de líderes europeus que consigam defender os nossos interesses, a liberdade, dar sentido à confusão existente, separar o trigo do joio e mobilizar os cidadãos europeus.
Em certa medida, Ursula von der Leyen parece determinada em seguir essa direção. Mas não é fácil. Putin e Trump são exemplos indiscutíveis, mas não únicos, do que significa a misoginia. E nesse campo, têm muitos seguidores europeus. Ou estarei eu a ver mal?
Conselheiro em segurança Internacional. Ex-secretário-geral-adjunto da ONU