Olhar para o seu coração para evitar a morte súbita no desporto

A morte súbita em atletas e desportistas é um tema que preocupa tanto profissionais de saúde como a sociedade em geral. Quem não se lembra do futebolista do Benfica Miklós Fehér que sofreu uma paragem cardíaca fatal durante um jogo? Uma avaliação médica pode reduzir o risco.
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A perceção de que os casos de morte súbita em atletas estão a aumentar pode ser influenciada por vários fatores, incluindo o crescente número de praticantes de exercício físico e a gigantesca cobertura mediática de eventos dramáticos deste tipo, sobretudo quando ocorrem em desportos de massas, sendo frequentemente transmitidos em tempo real e visualizados por milhões de pessoas. O risco pode ser reduzido com uma avaliação médica rigorosa, ainda que não o elimine por completo.

A incidência de morte súbita varia consoante o desporto, a idade, o sexo e outros fatores de risco, mas, em termos gerais, é um acontecimento incomum. Estudos indicam que a morte súbita ocorre em cerca de 1 a 3 em cada 100.000 atletas por ano. A taxa pode ser ligeiramente superior em atletas masculinos e em desportos que envolvem atividades de alta intensidade, como o futebol, basquetebol, corrida de longa distância e ciclismo.

Há diversos fatores que contribuem para a morte súbita. Em primeiro lugar, a existência de doenças cardíacas subjacentes. De facto, a maioria das mortes súbitas em atletas jovens é causada por condições cardíacas não diagnosticadas, como as miocardiopatias, arritmias, anomalias congénitas das artérias coronárias e a miocardite. Em atletas não jovens a principal causa é a doença das artérias coronárias.

Foi precisamente uma miocardiopatia que vitimou em 2003 o jogador camaronês Marc-Vivien Foé e, em 2004, o jogador brasileiro Serginho. No mesmo ano houve mais uma morte súbita causada por miocardiopatia hipertrófica: no dia 25 de Janeiro o país ficou chocado com as imagens que permanecem na memória de muitos portugueses, quando o jogador do Benfica, Miklós Fehér, sofreu uma paragem cardíaca fatal durante o jogo. Muito recentemente, o jogador uruguaio Juan Izquierdo, com 27 anos, foi igualmente vítima de morte súbita em São Paulo, no Brasil, durante jogo da Copa dos Libertadores no dia 27 de Agosto de 2024.

Mas existem outros fatores como a intensidade do exercício: desportos que envolvem esforços físicos intensos e prolongados podem aumentar o risco, especialmente se o atleta tiver uma condição cardíaca subjacente. Tanto o stress físico como o psíquico levados ao extremo podem desencadear arritmias fatais em corações predispostos.

Tenha também em conta a idade e o género. A morte súbita em atletas jovens é mais frequente em homens do que em mulheres. No entanto, atletas mais velhos também correm riscos, especialmente aqueles com fatores de risco cardiovascular, como o tabagismo, a diabetes, a hipertensão e o colesterol elevado.

As exigências especiais do desporto de alta competição são mais um fator relevante. Embora a morte súbita possa ocorrer tanto em atletas profissionais como em amadores, é mais comum entre aqueles que praticam desporto de alta competição. Isto deve-se ao maior nível de exigência física e, por vezes, à pressão para atingir altos níveis de desempenho.

A destacar ainda a sobrecarga física e a desidratação. O esforço físico intenso, especialmente em condições de calor intenso ou de outras situações climatéricas extremas, pode levar a uma sobrecarga do sistema cardiovascular. A desidratação pode também exacerbar problemas cardíacos existentes, contribuindo para o risco.

Finalmente, em alguns casos, o uso de substâncias estimulantes para melhorar o desempenho ou suplementos não regulamentados, pode aumentar o risco de arritmias cardíacas e consequentemente de morte súbita.

Os exames médicos desempenham um papel crucial na prevenção, especialmente em desportistas, a vigilância cardiovascular adequada pode identificar as doenças cardíacas antes que estas se tornem fatais. Alguns dos principais exames são o eletrocardiograma, o ecocardiograma, a prova de esforço, a ressonância magnética cardíaca, a tomografia cardíaca e o teste genético.

A evolução científica e tecnológica tem proporcionado novas respostas e melhores ferramentas na prevenção. A disponibilização de desfibrilhadores em locais desportivos e o treino de pessoal para o seu uso imediato em caso de paragem cardíaca têm sido fundamentais para salvar vidas. A rapidez na resposta a uma arritmia grave pode marcar a diferença entre a vida e a morte.

Dispositivos como monitores de frequência cardíaca e smartwatches, estão a tornar-se cada vez mais utilizados em praticantes de desporto, permitindo a monitorização contínua de sinais vitais. Alguns dispositivos podem detetar arritmias e alertar o utilizador para procurar assistência médica.

A Inteligência Artificial está a ser integrada em sistemas de diagnóstico para analisar grandes volumes de dados de exames médicos e identificar padrões que podem passar despercebidos aos olhos humanos. Isso permite diagnósticos mais rápidos e precisos, e ajuda a prever o risco de morte súbita em atletas.

O campo da genética continua a avançar, permitindo não só a identificação de mutações associadas a riscos cardíacos, mas também o desenvolvimento de tratamentos personalizados baseados no perfil genético de cada pessoa. Isso pode incluir intervenções específicas para prevenir a morte súbita em pessoas com mutações genéticas de risco.

A morte súbita em atletas é um fenómeno trágico que deve ser encarado como um alerta para todos os envolvidos e que vai muito para além do desporto de competição. É necessária uma abordagem multifacetada que inclua a vigilância cardiovascular adequada, uma educação contínua sobre os riscos, e uma cultura desportiva que valorize a saúde e a segurança acima de tudo para todos os praticantes.

A responsabilidade é coletiva: dos profissionais de saúde, dos clubes desportivos, dos treinadores, dos próprios atletas e da sociedade civil em geral, sendo fundamental realçar que a morte súbita no desporto afeta não só jovens atletas de competição de elite. É fundamental ter em conta que este evento dramático pode afetar os nossos jovens e menos jovens, praticantes esporádicos e ocasionais de desporto recreativo, tão “na moda” nos nossos dias.

Apenas com uma ação conjunta será possível reduzir a ocorrência de tais tragédias e assegurar que o desporto continue a ser uma fonte de saúde, alegria e de vida.

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