O ódio
Uma das melhores explicações sobre o poder de atração dos extremismos não surgiu da boca de qualquer sociólogo, político ou filósofo, mas sim de um humorista, o britânico John Cleese, dos inigualáveis Monty Python. “Se quer sentir-se bem, torne-se um extremista!”, exorta Cleese, num brilhante sketch em que satiriza sobre as supostas “vantagens do extremismo”, enunciando precisamente alguns dos seus maiores perigos.
“A maior vantagem do extremismo é que ele faz com que você se sinta bem porque lhe dá inimigos. Deixe-me explicar. A melhor coisa sobre ter inimigos é que você pode fingir que todo o mal do mundo reside nos seus inimigos, e que toda a bondade do mundo reside em si. Uma ideia atrativa, certo?”
Convencido das “vantagens” do extremismo, é só escolher de que lado da barricada se quer estar. Com uma ou outra adaptação, os critérios de Cleese mantêm-se bastante atuais: “Se você se juntar à extrema-esquerda, eles dão-lhe a lista de inimigos autorizados: quase todo o tipo de autoridade, especialmente a polícia, o governo local, os americanos, juízes, corporações multinacionais, escolas públicas, ferreiros, donos de jornais, caçadores, generais, traidores da classe e, claro, os moderados. Se preferir ser um extremista de direita, não há problema, ainda lhe sobra uma grande lista de inimigos: grupos minoritários, sindicatos, a Rússia, geeks, manifestantes, parasitas dos apoios sociais, intrometidos, clérigos, pacifistas, a BBC, grevistas, assistentes sociais, comunistas e, claro, os moderados.”
O memorável trecho de pouco mais de dois minutos podia ter sido feito ontem, mas tem já quase 40 anos, vem de um tempo onde não havia sequer internet nos hábitos diários. Hoje, a sátira de John Cleese sobre fenómenos marginais de sociedade britânica daquela época (anos 80) soa como um retrato incrivelmente real dos dias que correm, com uma sociedade globalmente ameaçada por extremismos ampliados por plataformas digitais, nas quais passamos demasiado tempo.
É esta realidade que surge agora também refletida de forma brutal na série Adolescência, que rapidamente se tem tornado um fenómeno global. À semelhança de outros filmes e/ou séries geracionais anteriores, como Trainspotting, Fight Club, Kids, Skins ou Euphoria, esta é uma daquelas obras de culto que nos atingem de forma nua e crua com os fantasmas mais sombrios de uma geração, deixando-nos sem ar perante um retrato social que conhecíamos, mas, no fundo, preferíamos ignorar.
O drama protagonizado por Jamie, sob cuja aparente normalidade juvenil se destapa um crime de ódio influenciado por incels e comunidades online misóginas, revela as raízes de uma cultura de violência e de ódio que se alimenta do isolamento virtual.
Adolescência é um retrato chocante sobre a vulnerabilidade dos jovens num cenário digital desregulado e um apelo urgente à reflexão sobre que tipo de sociedade queremos construir. Para que um dia possamos voltar a rir com o sketch de John Cleese.
Editor do Diário de Notícias