O vazio (do) criativo
Quero acreditar que os “vazios criativos” não são a ausência de conteúdos, ideias ou significados. São sim, um recorte temporal por preencher. Estes vazios são, ou deveriam ser, o momento no tempo e no espaço em que estamos intelectualmente disponíveis para preenchê-lo.
Sinto que a predisposição do criativo para o preenchimento destes vazios é mais reduzida à medida que agosto se aproxima, pois o cansaço psicológico ganha ao cansaço físico e as dores do ecrã superam as dores das voltas matinais de bicicleta.
O criativo apresenta um estado de espírito ao nível de uma alforreca que navega no nada, sem informação, sem cérebro, sem espinha dorsal. Movimenta-se ao sabor da maré, ora para um lado, ora para o outro sem perceber muito bem o que lhe está a acontecer.
O recorte temporal que está, assim, por preencher é na verdade uma luta cega, surda e muda entre uma vontade avassaladora de recorrer a ajudas tecnológicas que lhe permitam atestar o cérebro de ideias, mas faltam-lhe as ideias que lhe garantem um pedido de ajuda na forma e no formato certo. Ou seja, precisa de atestar o depósito, mas não sabe qual o tipo de combustível a escolher e ali fica em modo alforrequeano a tentar esboçar um pensamento que lhe permita avançar.
Quando o avanço se dá, entramos no momento da rejeição do nada, em que o vazio do criativo consegue mudar de linha e se preenche a partir do seu vazio, sem história, sem espólio, sem nada, e consegue assim ser autossuficiente e progredir para uma ideia. Para um conceito. Para um esboço.
O criativo estava sem combustível - pensei eu, quando vi que o que já sabia, o esboço, o desenho, os riscos, são o meu ponto de partida.
E, ao contrário das outras semanas, percebi tarde, mas percebi, que deveria ter invertido desde logo o processo e, ao invés do texto, começar pelo desenho. Porque o desenho serve para atestar o meu “vazio (do) criativo” com as ideias. Com as formas. Com as coisas. E na volta, estas coisas desenhadas ainda não foram inventadas, não têm nome e só existem mesmo neste papel!