O valor do tempo em democracia
“Na maior parte das vezes
é a perda que nos ensina
o valor das coisas”
Arthur Schopenhauer
(1788-1860)
Vivemos num mundo acelerado e as férias são um bom momento para compreendermos o valor do tempo. A invasão de dispositivos digitais, dos quais o telemóvel é o exemplo paradigmático e que, para muitos, se transformou numa extensão “natural” das mãos, veio alterar profundamente a forma como trabalhamos e, mais importante, como vivemos. Os telemóveis tornaram-se de tal modo omnipresentes que, com eles, acedemos às contas bancárias, guardamos as palavras-passe, usamos o GPS, fazemos pesquisas, lemos jornais, partilhamos publicações nas redes sociais, tiramos fotografias ou vídeos e até, mais raramente, fazemos chamadas telefónicas.
Em poucos anos, banalizámos o conceito de multitarefa, de fazer várias coisas ao mesmo tempo mesmo que isso signifique saltar entre diferentes dispositivos, de aplicações em aplicações, à procura de novos conteúdos, a responder a mensagens e a interagir com o mundo, onde se incluem os amigos e os familiares.
Contudo, esta nova realidade tecnológica está a condicionar mudanças cujo alcance podemos não apreender. Na vida pessoal e profissional, por exemplo, nem sempre é fácil encontrar a paz de espírito necessária para tarefas mais longas, seja a concentração na leitura de um livro ou manter o foco na análise de um documento mais extenso e crítico.
O impacto também se sente ao nível da nossa organização económica, social e política, como sociedade. A procura, a resposta e a satisfação tornaram-se imediatas, seja na política (sondagens quase instantâneas), na economia (home banking), nas viagens (reservas online), na moda (fast fashion) ou na alimentação (fast food), etc.
Todavia a democracia é lenta, será sempre mais lenta e sem capacidade de se adaptar ao ritmo das novas tecnologias. A democracia precisa de tempo para as suas instituições funcionarem normalmente. Um ritmo mais lento que proporciona a concentração e a análise indispensáveis ao normal funcionamento de todos os mecanismos de avaliação, fiscalização, transparência e independência que zelam pelo nosso desenvolvimento, bem como e, mais importante, pela nossa segurança e integridade.
E sem democracia nunca haveria o mundo de liberdade, de conhecimento, de valores e de segurança onde hoje confortavelmente vivemos. É necessário compreender o valor do tempo no funcionamento da democracia e respeitar a sua menor rapidez, factor decisivo na perpetuação das sociedades mais desenvolvidas e justas.
Como disse o jornalista Walter Winchell (1897-1972): “Muitas pessoas esperam maravilhas da democracia, quando a coisa mais maravilhosa de todas é simplesmente tê-la.”
Tê-la e mantê-la, acrescento eu!
Nota: O autor não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.