O superior interesse da pessoa refugiada

A guerra na Ucrânia, desencadeada pela invasão militar russa, tem merecido a nossa veemente condenação. A devastação causada pela guerra, com os seus incalculáveis custos, nomeadamente no sofrimento das pessoas por ela atingidas, é injustificável. Esta guerra é desde o princípio sentida como nossa. Atinge-nos como se fossemos nós. Porque somos nós. Identificamo-nos com as pessoas, que como nós, com vidas semelhantes, ficaram sem as suas casas, sem as suas escolas, sem os seus vizinhos e amigos e familiares. Pessoas que tiveram que rumar ao desconhecido. Muitas delas crianças, sem pais até, num mundo agora sentido como inseguro e violento.

Esta guerra é na Europa. Esta guerra acontece quando nos convencemos que nesta Europa de hoje não conheceríamos mais guerras. Esta guerra acontece em directo nas televisões, mas também agora nas redes sociais. Esta guerra entra-nos pela casa adentro. Talvez por tudo isto, e ainda por muito mais, esta guerra convocou-nos rapidamente para o apoio necessário, para a solidariedade, para o acolhimento e para a ajuda. Em imensas palavras e gestos e também em muitas acções. É natural sentirmos esse ímpeto. Todavia, como em todas as crises, nem sempre correr a ajudar pode ser positivo ou ter bons resultados, apesar de todas as boas intenções. É comum nos cenários de catástrofe dificuldades causadas por voluntaristas, bem-intencionados, que acorrem de forma não integrada nem articulada, aos locais onde estão as vítimas e muitas vezes se atrapalham uns aos outros, disputam vítimas entre si e prejudicam assim as acções de apoio e socorro que devem decorrer de forma organizada.

Relembro: são as vítimas o centro da atenção e do nosso cuidado e apoio, não nós e as nossas necessidades pessoais ou profissionais de satisfação e realização ou de redução da nossa angústia pela acção de ajuda. É o superior interesse da vítima, é o superior interesse da pessoa em situação de refugiado. Isso é o que importa. As pessoas em situação de refugiados estão muito vulneráveis, podem ter presenciado cenas de grande violência, sentirão provavelmente enormes perdas e poderão ter sido expostas a momentos traumatizantes. Mas ainda assim são pessoas como nós. Com as suas profissões. Com os seus desejos e aspirações. Muitas delas sonhando com o regresso a casa.

Estas pessoas, como nós em tantas circunstâncias, poderão sentir-se muito tristes e com raiva, mas também poderão ter agravado ou desenvolvido situações mais problemáticas em termos de sofrimento psicológico ou perturbação de ansiedade, depressiva, consumo de álcool ou mesmo de stresse pós-traumático. O primeiro momento à chegada até pode ser de esperança e agradecimento pelo acolhimento, mas seguidamente pode vir a consciência do desafio que enfrentam acompanhada de sensações menos positivas e das suas reacções correspondentes. Por isso, temos a obrigação de nosso prepararmos. Foi a pensar nisso que a Ordem dos Psicólogos disponibilizou um "Guia para acolher pessoas refugiadas". Consulte-o. Reflicta sobre ele.

Nem todos podemos ajudar das mesmas formas. Antes de mais é preciso conhecermo-nos e tomarmos consciência de como seremos capazes de o fazer em benefício de quem precisa. Reconhecer algumas limitações não é uma falha. É uma virtude que nos permitirá, de facto, ajudar.


Bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses

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