O Sol anda à volta da Terra e o Relato ESG
Muito se tem falado nas recentes mudanças que estão em cima da mesa sobre o reporte de ESG a nível Europeu. Tudo indica que apenas as grandes empresas com mais de 1000 colaboradores e mais 50 milhões de euros em volume de vendas serão obrigada a relatar as suas práticas de ESG a partir de 2027 (e não 2026). Também a informação a reportar relacionada com o alinhamento das empresas e instituições financeiras com a Taxonomia parece que será menor. Obviamente que para os céticos e para aqueles que apenas procuram lucros de curto prazo, isto é uma boa notícia. Para os defensores dos temas de sustentabilidade e do papel das empresas nesse processo, esta ação da UE é um retrocesso.
No entanto, ter estratégias de sustentabilidade e práticas de ESG é muito mais que cumprir com a legislação. É apostar na diferenciação da empresa quando concorre com outras a um projeto nacional ou internacional, é apostar na inovação, é ser mais eficiente, é apostar no capital humano. Sei de casos concretos de PMEs que decidiram avançar com uma estratégia de sustentabilidade e relato, e mesmo com certificação B Corp, não por ser obrigatório (pois para esta situação nunca foi), mas porque era uma vantagem competitiva para obter mais os clientes e para mais investidores. Qualquer empresa que procure por um fornecedor, vai preferir estabelecer relacionamento com alguém que tenha uma melhor gestão, mais certificações e que se apresente como mais eficiente na forma como usa os recursos. Qualquer fundo que procure investir em empresas, vai preferir aquelas que apresentam melhores credenciais de gestão, melhor identificação de riscos e oportunidades e uma cultura mais resiliente.
Ter práticas de ESG, constitui exatamente a forma para as Grandes empresas e PME serem mais diferenciadoras no mercado em que competem, serem mais inovadoras e mais audazes, tendo em simultâneo um melhor modelo de risco que as torna mais resilientes.
Assim, o facto de deixar de ser obrigatório para algumas grandes empresas portuguesas reportarem o tema de ESG, pode na realidade significar mais tempo para elas compreenderem o tema, e constatarem que ele é mais importante do que a mera obrigatoriedade, e que na realidade é uma abordagem á gestão Empresarial mais atualizada no século XXI, capaz de atrair investimento e capital humano.
Diria que para as empresas familiares esta dilatação no tempo e a redução do âmbito da obrigatoriedade previamente definida, pode até ser benéfico, podendo estas empresas agora sentirem-se mais capazes de seguir o caminho da Certificação BCorp. Esta certificação orientando as empresas para terem uma estratégia de sustentabilidade e um relatório anual ESG, não respondia a todos os requisitos Europeus, e agora pode ser vista como uma oportunidade para as empresas também comunicarem a sua abordagem à sustentabilidade, de forma clara e exigente, obtendo em simultâneo uma certificação que podem comunicar aos seus parceiros de negócio.
Obviamente que sei que várias empresas que estavam a iniciar os seus passos agora, poderão tranquilamente parar, pois “não são obrigadas” por lei. Mas também sei que muitas vão continuar os seus trabalhos nestas áreas, por acreditarem ser o melhor caminho para a empresa estar preparada para o seu futuro próximo e mais longínquo.
Vai ser interessante ver quais são as empresas em que o Conselho de Administração é visionário e quer fazer parte de um grupo de gestores que se distinguem por serem mais progressistas e alinhados com a ciência, daqueles que ignoram a informação objetiva, desconhecem o mundo e vivem de crenças nas quais os dividendos a curto prazo espelham os cash flows futuros. Em tempos passados também se acreditou que o sol girava em volta da terra, e quem dizia o contrário era ostracizado e mesmo eliminado. A história repete-se ...
PhD, CEO da Systemic