O SIS e o computador. A oportunidade que ainda não foi aproveitada

É penoso verificar, na descrição feita neste processo crime, o desnorte sobre os procedimentos a cumprir numa situação desta natureza. Claramente não há - pelo menos não havia - conhecimento de protocolos definidos.
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A conclusão do inquérito criminal que investigou eventuais crimes de abuso de poder e coação por parte de funcionários do Serviço de Informações de Segurança (SIS) na operação para recuperar um computador portátil, com informação classificada, ilegitimamente na posse do adjunto o ex-ministro das Infraestruturas, João Galamba, fechou um ciclo - o judicial.

O veredicto da Polícia Judiciária (PJ) foi de que «a conduta dos funcionários do SIS esteve devidamente salvaguardada pelas competências previstas no seu conteúdo funcional, sendo adequada, necessária e proporcional, não tendo sido utilizados nos contactos com Frederico Pinheiro quaisquer meios abusivos, coercivos ou enganosos, que pudessem ter acarretado qualquer tipo de prejuízo pessoal ou patrimonial», conforme já noticiou o DN, e o Ministério Público arquivou o processo.

Mas tendo em conta a rara quase unanimidade que se verificou nos dias, semanas, até meses de 2023, depois do controverso episódio, entre juristas, políticos, especialistas e outras pessoas altamente qualificadas nestas matérias, quanto à ausência de enquadramento legal naquela atuação, seria prudente uma clarificação sobre os limites de atuação do SIS.

Para que não fiquem quaisquer dúvidas e para a proteção, principalmente, dos próprios funcionários, mas também visando deixar sem mácula a confiança dos cidadãos nos seus Serviços de Informações - imprescindível num Estado de Direito.

Porque, de acordo com a lei, os Serviços de Informações "não dispõem de competências policiais, estando os seus funcionários, civis ou militares proibidos de exercer poderes, praticar atos ou desenvolver atividades do âmbito ou competência específica dos tribunais ou das entidades com funções policiais, sendo-lhes expressamente proibido proceder à detenção de qualquer indivíduo ou instruir processos penais”.

Sabemos já os motivos que levaram o SIS a decidir a apreensão do portátil, a urgência invocada, o histórico do risco de contraespionagem, mas o que aconteceu será sempre um ato de polícia.

Sendo possível “em caso de necessidade” isso terá de ficar particularmente bem detalhado na legislação. As “campainhas” do parlamento que ruidosamente se sentiram - incluindo as do PSD e do próprio atual primeiro-ministro - quanto à legalidade da operação, deviam servir agora para agir.

Outra oportunidade que este case study pode motivar é a de promover uma verdadeira literacia de intelligencia aos titulares de cargos públicos que lidam com matérias sensíveis, bem como aos membros dos seus gabinetes.

É penoso verificar, na descrição feita neste processo crime, o desnorte sobre os procedimentos a cumprir numa situação desta natureza. Claramente não há - pelo menos não havia - conhecimento de protocolos definidos.

Desde o passo mais básico - saber quem e que entidade se deve primeiro contactar e, já agora, ter o número de telefone - a outros estruturais, como criar uma “cultura de informações”, prioritariamente para que quem exerce funções públicas e políticas saiba exatamente quais são as competências do serviços, mas também para que todos os portugueses saibam que os nossos serviços não são “secretos”, são escrutinados e fiscalizados.

O recém-empossado secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), embaixador Vítor Sereno, pelas características que lhe são conhecidas - um «fazedor orientado para a ação», nas palavras do antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, António Monteiro - não vai, certamente, deixar escapar estas oportunidades.

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