O senhor Yoon é homem de muitas profissões, agora motorista Uber. Gosta de Louisville, gosta do Kentucky, e sobretudo gosta dos Estados Unidos, para onde imigrou há 40 anos. Veio em busca do sonho americano, pois na época a sua Coreia Natal não era o país próspero que hoje conhecemos. Trocámos umas palavras em vésperas de eleições, num domingo em que me levou ao Churchill Downs, palco das corridas de cavalos que fazem a fama do Kentucky, tanto ou mais ainda do que as destilarias de Bourbon, o whiskey local, feito no mínimo com 51% de milho. E por entre recordações de Seul, que já visitei, risos sobre quase todos os coreanos se chamarem Kim, Lee ou Park mas ele não, chegámos ao tema das presidenciais: “sempre votei democrata, mas desta vez vou votar em Trump. Parece-me o mais capaz de resolver os problemas. Está tudo muito caro. Antes ia ao supermercado e gastava 60 dólares. Agora, pelo mesmo, pago cem dólares”. .Exagero se disser que naquele momento fiquei convencido de que o republicano Donald Trump iria vencer, mas quase. O senhor Yoon não me falou mal do presidente Joe Biden, nem diabolizou a candidata democrata Kamala Harris. Simplesmente, identificou um problema, a inflação, e disse acreditar que Trump era mais capaz de resolvê-lo. Um ato de fé, pois se o primeiro mandato do agora de novo presidente foi de relativa boa memória em relação à economia (com exceção de 2020, quando chegou a pandemia), também Biden teve um bom desempenho económico, e perante uma inflação que é global, foi conseguindo controlá-la. Por isso, a tal ida ao supermercado está nos cem dólares e não vai já nos 110 ou 120..Estive três semanas nos Estados Unidos, em Washington DC e no estado de Washington, ambos bastiões democratas, estive também no Kentucky e na Louisiana, que votam fortemente republicano, com exceção das grandes cidades, como Louisville. Ouvi muitas críticas a Trump, muito mais duras do que as que ouvi sobre Harris. Aliás, para o bem e para mal, as conversas sobre as eleições iam sempre dar ao candidato republicano, o magnata do imobiliário que ganhou a Casa Branca em 2016, perdeu-a em 2020 (embora lhe custe reconhecer e muitas vezes tenha insistido ter havido fraude), e reconquistou-a agora. Só uma vez um presidente cumpriu dois mandatos intercalados, e foi Grover Cleveland. Por isso é o 22.º e o 24.º presidente, como Trump foi o 45.º e agora será o 47.º..Imigrantes a garantir que iam votar em Trump, cristãos praticantes a rejeitar Trump, um historiador afro-americano a alertar-me que na comunidade, tradicionalmente fiel aos democratas, havia quem pensasse não votar em Harris por ser uma mulher, americanos com raízes na América Latina preocupados com a criminalidade e a apoiar a retórica republicana de muros na fronteira, escutei de tudo um pouco. Também tive um apoiante de Trump, mesmo sabendo que falava com um jornalista, a explicar-me que já não acreditava nos media tradicionais porque Barack Obama, antes de sair da Casa Branca, tinha feito uma lei que os desobrigava de noticiar a verdade. Garantiu, perante o meu olhar de espanto, que a lei existia mesmo mas só se aplicava aos Estados Unidos. Igualmente houve quem descrevesse como lixo a elite que manda agora no país, e quem estivesse certo de que Trump é uma ameaça para a democracia. E houve mesmo quem, sem falar de nenhum conflito em particular, apontasse o dedo a Biden pelo caos que reina no mundo, dito num tom mais bíblico do que geopolítico..Dizem que os Estados Unidos estão divididos; que há uma América liberal no Pacífico e no Nordeste e um país ultraconservador pelo meio; que os dois grandes partidos já não conseguem fazer os compromissos do passado; que os americanos, quando mudam hoje de estado para mudar de vida, escolhem um da sua cor política e isso ajuda ainda mais à clivagem; que Trump na Casa Branca vai ter todo o poder, pois os republicanos têm maioria no Senado e na Câmara dos Representantes e no Supremo Tribunal há uma maioria conservadora, incluindo os três juízes já nomeados pelo ex-presidente agora futuro presidente. Sim, é tudo verdade, ou quase. Mas cuidado com as previsões catastrofistas. Os freios e contrapesos pensados pelos Pais Fundadores continuam a funcionar; o federalismo deixa ampla margem de manobra aos estados nas suas políticas, como Washington que vai continuar a taxar a gasolina e a investir nas energias renováveis mesmo que em Washington DC a nova Administração seja campeã dos combustíveis fósseis; a vitalidade americana continua imensa, como se percebe pela inovação tecnológica das empresas, pela qualidade das universidades, pelo dinamismo das ONG, etc, etc, etc. E quando se fala numa América dividida, como se fosse insanável, lembro-me que em 2000 estava em Nashville quando o democrata Al Gore, vencedor no voto popular, decidiu não reconhecer a derrota e esperar por uma recontagem na Florida, que podia tirar a vitória no Colégio Eleitoral ao republicano George W. Bush. Continuei a reportagem para o DN em West Palm Beach e voltei a Portugal ainda sem saber o vencedor, até que o Supremo Tribunal mandou parar a recontagem e deu a vitória a Bush. Sim, a América também estava dividida, e muito, naquela época..O senhor Yoon, entretanto, vai estar de olho naquilo que Trump fará..Diretor Adjunto do Diário de Notícias