O senhor Ponzi
Larry King, John Malkovich, Kevin Bacon, Zsa Zsa Gabor, Steven Spielberg, Elie Wiesel. Não, meu caro leitor, não é a lista de convidados para um cocktail em Hollywood ou para um casamento em Aspen, ainda que o possa parecer. São os nomes de algumas das celebridades que Bernard Lawrence Madoff, nascido em Queens, Nova Iorque, burlou durante décadas.
Madoff, que perdeu a vida nesta quarta-feira, na prisão, tornou-se conhecido por um par de razões: primeira, foi o único homem na história dos Estados Unidos a representar unipessoalmente a Nasdaq; segunda, foi o autor do maior esquema de fraude financeira na história dos mercados. Ambas, ainda que contrastantes, são indissociáveis. Madoff, de ascendência hebraica e filho de um canalizador que já se aventurava na bolsa, licenciou-se em Ciência Política numa universidade menor e rapidamente desistiu de prosseguir os estudos para se dedicar a Wall Street. E se a princípio começou como o pai, um corretor discreto, a sua ascensão e queda foram em tudo sonantes.
Durante 20 anos, Bernie Madoff e a mulher doaram mais de 200 mil dólares ao Partido Democrata. Com promessas de retorno anual entre os 8% e os 12%, a carteira de clientes da sua sociedade estendia-se por indústrias, divas, jogadores de basquetebol, empresários do retalho e grandes bancos como o HSBC e o Santander. A sua saga é tão americana quanto atípica. Neto de polacos e austríacos, forma empresa familiar, desenha esquema batizado com o nome de um ítalo-americano (Carlo "Charlie" Ponzi), apanhado por um investigador descendente de gregos (Harry Markopolos), acaba representado em filme por Robert de Niro (na HBO, The Wizard of Lies).
Mais americano não poderia ser, na medida em que talvez só na América pudesse ter acontecido assim. "Toda a gente é gananciosa, eu fui na corrente", diria o próprio à New York Magazine, já encarcerado. Dos 65 mil milhões de dólares que compunham a pirâmide do seu esquema, o Estado conseguiu, até agora, recuperar 14 mil.
"Fica uma lição para nós: lá morreu na prisão; cá morreria à espera de julgamento", ironiza Luís Aguiar-Conraria, professor de Economia na Universidade do Minho. Quanto ao perigo das bolhas nos mercados financeiros, Aguiar-Conraria esclarece que são "uma questão estudada". "Por estarmos em bolha não significa que ela rebente. Enquanto houver influxo de fundos, a bolha continua. Daí a importância de os reguladores e supervisores serem bons e independentes", atenta, salvaguardando que não conheceu o caso de Madoff em concreto.
Madoff declarar-se-ia culpado em 2009, depois de um dos filhos revelar às autoridades que o pai lhe confessara que todo o negócio não passava de um esquema, de transações imaginárias e manipulação de clientes. Seria condenado a cumprir 150 anos de pena na Carolina do Norte, onde acabaria por falecer numa prisão para molestadores e denunciantes (no calão local, "bufos"), com direito a jardim e janelas sem grades.
Madoff morreria, ironicamente, no único lugar onde continuava a ser olhado como uma celebridade. Os condenados pediam-lhe autógrafos e conselhos de poupanças. Nas tardes de verão, jogava Scrabble com um vizinho a cumprir pena por abuso de menores. O mafioso Carmine Persico cozinhava-lhe linguini com amêijoas no micro-ondas da sua cela, mostrando que a natureza da sua consciência prosseguia, ao mesmo tempo, flexível e inalterada. Quando negociou com outro presidiário que lhe lavasse o uniforme, regateou o preço praticado entre os demais, de dez para oito dólares.
Os filhos, que com Madoff trabalharam, morreram antes dele: um de cancro, outro por enforcamento. A mulher, Ruth, nunca deixou de visitá-lo. Costumava jogar golfe a seguir.
Colunista