O regresso das divergências europeias
Inflação, juros, compra de activos pelo Banco Central Europeu e regras orçamentais. O que mais vai condicionar a nossa economia nos próximos tempos está longe de ser decidido em Lisboa, e de ser discutido em Portugal. E, no entanto, é o que conta.
Enquanto em Portugal se discute quem vai governar com quem, nas principais capitais europeias, incluindo Bruxelas, discute-se como vai ter de ser essa governação nos próximos tempos. Christine Lagarde, francesa, presidente do Banco Central Europeu (BCE), acha que a inflação que já cresce na Europa é provisória e tarda nada baixa. Os alemães duvidam e vários economistas estão mesmo convencidos que veio para ficar e tem de ser combatida. E a norma diz que se combate com subida de juros do BCE. Que depois fazem subir os juros dos nossos empréstimos, públicos e privados. Lagarde resiste, os mercados começam a achar que não vai resistir muito. A Reserva Federal americana e o Banco de Inglaterra também iam resistir. Mas já não vão.
As mesmas contas à inflação sugerem que a compra de activos pelo BCE, que contribuiu em muito - em imenso - para a redução dos juros da nossa dívida, tem de começar a parar. Com o resultado que se imagina para a nossa dívida.
A suspensão das regras orçamentais por causa da pandemia permitiu aos estados endividarem-se e crescer os déficits mais do que é permitido pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), mas não alterou a realidade. A dívida terá de ir sendo paga, e se os juros subirem fica mais cara. Pode-se suspender as regras, mas não se suspende a realidade.
A crise financeira de 2008 e a crise das dívidas soberanas de 2011 obrigaram à mudança das regras europeias. A fiscalização orçamental pelos pares e pela Comissão Europeia, que faz parte do Semestre europeu, serve para garantir que, para continuar a haver moeda única e comum, cada país não pode fazer o que quiser. Resta saber se as regras vão ser flexibilizadas. E se isso é bom.
França e Itália já viveram dizer que têm de se fazer outras contas. Se os objectivos da despesa pública forem a transição digital e a transição verde, essa despesa devia ser incentivado e não devia contar. Ou contar menos. Espanha pede mais ou menos o mesmo. Portugal, logo se vê.
O novo governo dos frugais Países Baixos apresentou um orçamento despista, mas não se propôs violar o PEC. Na Alemanha, o novo ministro das finanças diz que é um "falcão amistoso". O que cada um lê como quiser, mas dificilmente passará por um entusiasmo pelo endividamento dos Estados membros já mais endividados. À cautela, o governador do banco central francês, onde haverá eleições em Abril, já sugeriu que há pouco espaço para prometer baixar impostos ou subir despesa e que o melhor é tornar a economia mais competitiva por outras vias.
Estamos, portanto, assim. À medida que a economia vai retomando, mais nuns países do que noutros, com mais inflação nuns, menos noutros, com aumento de salários automaticamente ou não, as economias europeias vão divergindo. E os instrumentos que cada governo tem para as fazer convergir são limitados. Mais do que já eram. Enquanto que o uso que se faz dos instrumentos centrais pode ser mais adequados para a realidade de uns do que de outros. Dos alemães do que dos portugueses, por exemplo. Mas, claro, podemos acreditar que vai ficar tudo bem.
Consultor em assuntos europeus