O regresso da Europa federal  

Enquanto a conferência sobre o futuro da Europa faz de conta que os europeus anseiam por uma Europa federal, a realidade coloca a questão de uma maneira muito mais séria: a crescente escala europeia de desafios e respostas implica uma União Europeia federal, ou não?

No início da pandemia, quando se reerguiam fronteiras, alguns Estados membros sabotavam as compras de máscaras de outros ou, mais tarde, se discutiam as condições de um plano de reação à crise económica, generalizou-se a ideia de que se a União Europeia não servia para responder a crises que atingiam toda a Europa, não servia para nada. Sugeriu-se, inclusive, que estávamos perante uma crise simétrica, que atingia todos da mesma forma e pedia respostas idênticas para todos. Como se fosse possível ignorar a diferença de impacte em países com realidades nada iguais.

Depois, a compra conjunta de vacinas, apesar das críticas e sobressaltos, foi reconhecida como uma solução melhor do que 27 compras competitivas. E o fundo Next Generation EU, a bazuca, foi considerado um momento fundador de uma nova lógica orçamental e económica de partilha de responsabilidades e benefícios.

Se juntarmos à pandemia a crise climática, preexistente, o crescimento da inflação ou a crise energética - que é tanto uma ressaca da pandemia quanto o fruto de uma dependência europeia de fornecedores pouco recomendáveis, ou a consciência de que a ameaça russa à Ucrânia é um problema de toda a Europa, estamos perante uma nova circunstância.

É evidente que a discussão sobre o lugar geopolítico da Europa é inevitável. Já lá vai o tempo em que os grandes problemas eram sobre fundos ou o mercado interno - embora nem um nem outro estejam resolvidos. Mas isso implica, necessariamente, que só haverá respostas comuns se se superarem os Estados?

Durante anos, pelo menos desde o malogrado Tratado Constitucional, assinado em 2004 e abandonado em 2005 às mãos dos eleitores franceses e neerlandeses, a federalização da União Europeia deixou de fazer parte do discurso político europeu. Embora os processos nesse sentido permanecessem, era um quase tabu, em Bruxelas.

Agora, porém, há uma nova dinâmica. Em pouco tempo, várias crises que não são simétricas, mas que são pan-europeias, pedem respostas à escala europeia. Quererá isso dizer que a utilidade da Europa está a alterar-se? E, se estiver, é inevitável que a resposta seja transferência de soberania, como muitos querem, ou é possível haver maior partilha sem diluição dos Estados?

Voltemos à crise entre a Rússia e a Ucrânia, e ao que isso significa para o Ocidente, em geral, e não apenas para a Europa. É evidente que a resposta passa pela NATO. Mas a aliança atlântica não implica perda de soberania. Somos aliados, comprometidos, com limitações de soberania na área da defesa e segurança, mas não somos uma federação militar. Nem precisamos de ser.

Olhemos para o exemplo extremo. Perante o crescimento da inflação, os governadores dos bancos centrais dos países mais ricos da zona Euro dizem para subir as taxas de juro. Os que vêm de países mais endividados dizem que não. O que significa, sem surpresa, que todos sabem que o que se fizer não terá o mesmo efeito nas diferentes economias. É um bom exemplo de como a europeização da resposta pode não ser sempre vantajosa.

Há trinta anos, quando se fez Maastricht, houve quem avisasse que estava em curso a federalização da Europa e que isso não era inevitável, mas era um problema. Trinta anos depois, em cima de uma europeização das crises, vamos passar pelo mesmo. Ou não. Depende, espera-se, da vontade dos europeus. Dos líderes e dos povos.

Consultor em assuntos europeus

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