O realismo de Barshefsky e os prosélitos dos eixos do Bem

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Num evento promovido recentemente pela US Chamber of Commerce, a Emb. Charlene Barshefsky - responsável, enquanto US Trade Representative, pelas negociações que conduziram à entrada da China na OMC e levaram a um aumento do multilateralismo no comércio internacional e à abertura do mercado chinês - veio chamar a atenção para a alta probabilidade de a UE dificilmente seguir a postura da Administração Biden relativamente à China. Barshefsky referia-se à dificuldade que o governo dos EUA está a enfrentar para convencer os governos europeus a restringir os negócios em tecnologia com empresas chinesas, restringir as transações comerciais e aderir a sanções contra a China.

Barshefsky começa por relembrar que a UE é altamente dependente da China nas suas exportações; em 2020, a China ultrapassou os EUA como seu principal parceiro comercial.

O argumento mais importante aduzido por Barshefsky prende-se com uma perceção diferente de ameaça em relação à China - "a Europa não sente um risco de segurança da China".

Por outro lado, uma das principais razões para a presente postura dos EUA prende-se com a pretensão dos EUA de quererem manter o seu estatuto de única superpotência no mundo. Independentemente do realismo de tal pretensão num mundo já multipolar e onde dentro de três décadas a economia dos EUA será a terceira do mundo em PIB global, atrás das da China e da Índia, Barshefsky afirma que "a Europa não vai lutar com a China para preservar o papel único da América no mundo"; "isso é um interesse dos EUA, não é um interesse pelo qual a Europa necessariamente vá entrar em confronto com a China".
Além de que seguir a atual postura do governo americano enfraquece a ambição da UE de se tornar estrategicamente autónoma. "Se a Europa quer abraçar a autonomia estratégica, como poderia seguir os Estados Unidos?" pergunta Barshefsky.

Se um alto responsável político americano consegue perceber isto, como é possível que tenhamos entre nós europeus tantos prosélitos incondicionais dos "eixos do Bem" que não compreendem?

A opinião pública europeia está e continuará dividida entre a defesa dos seus interesses económicos - mais investimento chinês (e indiano e brasileiro e mexicano e indonésio) na UE e mais acesso das empresas europeias ao mercado chinês (e indiano e brasileiro e mexicano e indonésio) - e a obrigação moral de pugnar pela universalidade dos Direitos do Homem. Para prosseguir neste debate de forma séria é preciso aceitar que o mundo mudou, já é multipolar; que nenhum país, por mais poderoso que seja económica ou militarmente, tem o direito de clamar um papel singular acima de todos os outros ou acima da Lei; que a nenhuma potência emergente - hoje a China, amanhã a Índia, o Brasil, a Indonésia, o México, etc - deve ser coartado o seu direito ao desenvolvimento e ao reconhecimento internacional; que há diferentes processos endógenos de organização e desenvolvimento; sem prejuízo de um esforço internacional sério em matéria de direitos humanos.

Se à interdependência económica, que herdámos e nos tem garantido a paz mundial, aditarmos o reconhecimento das diferenças, conseguiremos manter o diálogo, aplanar diferenças, aumentar o comércio internacional e mitigar nacionalismos perigosos.

Consultor financeiro e business developer
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