Mariana Mortágua é uma mulher inteligente e já percebeu que o apito que se está a ouvir no Bloco de Esquerda não é de celebração. É o comboio que vem atropelar o partido nas eleições antecipadas de 18 de maio. Ao resgatar para as listas os nomes dos fundadores do partido - sonantes, sem dúvida, mas anacrónicos -, a mais carismática das irmãs Mortágua, Mariana, tenta colar a manta de retalhos que é o Bloco atual aos pensadores que, inicialmente, lhe deram corpo. E, assim, espera, desejavelmente, conseguir lavar, por associação, o caso do despedimento das funcionárias que foram mães. Não sei que jovens eleitores ainda reconhecem Francisco Louçã, Fernando Rosas ou Luís Fazenda, mas isso é outra história. Dia 18 se verá.A ideia que fica é de que o Bloco não pensa muito. Quando muito reage e, sobretudo, comenta.Foi essa a ideia que ficou ontem quando o país ouviu Mariana Mortágua a comentar o pacote de medidas do Governo para acelerar a “imigração laboral regulada”, assinado entre as agências do Estado e as cinco confederações patronais.A coordenadora do Bloco criticou (mais uma vez) a decisão do Executivo AD, de Luís Montenegro, de acabar com as “Manifestação de Interesse”, um mecanismo cujo âmbito foi alargado durante a ‘Geringonça’ de Costa e que, na sua versão final de 2019, foi novamente ampliado pelo PS para aceitar pedidos de nacionalidade até para “quem tivesse entrado em Portugal de forma irregular”. E disse que as medidas vão “criar intermediários fora de Portugal que alimentam depois redes, ‘máfias legais’”. É difícil perceber a que se refere o Bloco. É que as máfias que existem, as reais, as que têm pessoas sem escrúpulos que se dedicam a extorquir os migrantes para os trazer ilegalmente para Portugal, são conhecidas há muito e proliferaram nos últimos anos. São um caso de polícia e devem ser combatidas sem contemplações. Em que contexto, em que realidade paralela é que a Manifestação de Interesse as combateu? Que bom caminho Portugal trilhou com a desregulação acelerada em 2017? O que determina exatamente o que é uma “máfia legal”, um juízo de valor do Bloco de Esquerda? Ou tudo não passou de uma frase para “dar título”?A maior infelicidade da coordenadora do Bloco na tarde de ontem, no entanto, foi ver André Ventura, do Chega, a atacar a medida do Governo com o mesmo argumento de que vai criar “máfias legais”. Nada alegra mais o coração da esquerda populista do que ouvir os mesmos argumentos da boca da direita populista.É claro que ambos já perceberam que a imigração será um dos temas das eleições de maio, porque é - correta ou incorretamente - uma preocupação na cabeça dos portugueses. A visão do quanto a esta matéria - começou por falar em “fechar a porta escancarada” e agora promove vistos mais rápidos à migração de trabalhadores com a situação regularizada - ocupa, com decisões, mais do que conversa, o espaço até aqui dominado pelas extremas. Quer a extrema que apelava à livre entrada de todos os migrantes, com ou sem documentação válida, quer a extrema que grita sobre as “hordas de imigrantes” a invadir a Europa.