O que vai mudar para a Europa
Acabe como e quando acabar, a guerra da Ucrânia obrigou a Europa a pensar o alargamento, as instituições e as relações com países terceiros em termos de ameaças, poder e influência.
Com o regresso dos blocos e a provável desglobalização, o alargamento volta a ser um instrumento de política internacional. O critério para deixar entrar a Ucrânia será tanto moral como geopolítico.
O que há uns meses pareceria impossível, ninguém queria mais Polónias, Hungrias, Bulgárias ou Eslovénias, agora é pensado noutros termos. Os ucranianos estão a morrer pelo direito a poderem escolher ficar do lado de cá. Não os deixar entrar será inaceitável, dirá muita opinião pública. E uma má ideia, dirá a política. Mesmo que a adesão implique correr o risco de criar desequilíbrios internos e problemas para resolver adiante.
A mesma lógica aplica-se aos outros candidatos, à espera há mais tempo. Na Albânia, Montenegro e Macedónia do Norte, a questão será de saber se a Europa prefere que entrem antes de estarem preparados ou correr o risco de ficarem de fora e serem conquistados para a esfera de influência russa ou, mais relevante a médio prazo, chinesa. Nenhuma das opções é isenta de riscos, mas uma é pior que a outra.
Um raciocínio semelhante acabará, muito provavelmente, a ser usado para os países da vizinhança. No final do século passado, enquanto a União Soviética se desmembrava, Romano Prodi sugeria que a Europa precisava de ter à sua volta um "anel de amigos" a quem oferecesse "tudo menos as instituições". Na situação atual e futura, a necessidade é mais aguda. Dependendo, em grande parte, das escolhas dos europeus, à volta da Europa estarão aliados dos europeus ou dos seus rivais. A questão, difícil, está em saber como é que se assegura a boa influência na vizinhança, não tendo a adesão para oferecer.
A meio caminho, entre os países verdadeiramente candidatos à adesão e os que nunca o serão, a Turquia. Como se tem visto, é demasiado importante para deixar cair para o outro lado e demasiado grande, diferente e inconfiável para poder entrar. E, no entanto, a sua aliança fará falta.
A outra consequência do regresso da lógica de blocos é que o comércio internacional tenderá a ser pensado em novos termos. Não tendo servido para impedir conflitos, a interdependência económica vai sendo vista como uma limitação. O que significa que a propensão para falar de reindustrialização e protecionismo, iniciada há mais tempo e acelerada pela pandemia, se reforçará. A autonomia estratégica, de que Macron andava a falar há uns anos, levará a que se queira produzir mais na Europa, ou em países próximos dos europeus, para depender menos dos outros, mais distantes em todos os sentidos. Mas isso tem um reverso. A China lê o que dizemos e escrevemos e saberá que, consequentemente, terá de depender mais do seu mercado interno, e de o fechar mais ao exterior.
Externamente, este processo corre o risco de levar ao afastamento de outros aliados. Se a Europa se fechar comercialmente, acabará por perder relações com muitos países terceiros, eventualmente empurrando-os para a esfera de influência da China. Internamente, a propensão para reforçar a capacidade industrial europeia pode fazer esbater as regras que asseguram a concorrência no mercado interno, criando campeões de um lado, e perdedores do outro.
Numa Europa onde a geopolítica decidirá os alargamentos, e a lógica de blocos definirá a política comercial e de concorrência, países como Portugal e empresas como as portuguesas precisam de repensar prioridades e estratégias, se não quiserem ficar mais periféricos e dependentes. Nunca as nossas escolhas europeias foram tão importantes.
Consultor em assuntos europeus