O que traz o Papa americano
Muitos católicos desvalorizam o frenesim de leituras políticas que se segue à eleição de um novo papa, mas é inevitável que aconteça. O Vaticano é um dos territórios menos populosos do mundo, mas a Igreja Católica é a maior e mais antiga instituição internacional em funcionamento, congregando cerca de 1,4 mil milhões de seguidores. É também a maior confissão à escala global e exerce influência relevante em muitas sociedades laicas.
O impacto social e mediático de um papa transcende a dimensão da Igreja Católica. Por si só, a escolha do líder desta monarquia eletiva atrai as atenções pelo seu caráter raro e, em certa medida, exótico. Os papas têm sido, com frequência, figuras de relevo na História, atuando muitas vezes como agentes de transformação.
A escolha de um cidadão dos Estados Unidos é inédita, uma vez que a Santa Sé tem, tradicionalmente, evitado eleger pontífices oriundos de grandes potências. Contudo, Robert Francis Prevost também tem nacionalidade peruana — um pormenor que está longe de ser irrelevante.
O Papa Leão XIV apresenta diversas características que permitem traçar, de forma informada, algumas hipóteses sobre o rumo do seu pontificado, bem como acerca dos critérios que terão levado à sua eleição. O nome escolhido, “Leão”, evoca Papas historicamente associados à defesa da Igreja em momentos complicados. Leão I, por exemplo, terá conseguido dissuadir Átila, o Huno, de invadir Roma. Muito mais recentemente, Leão XIII foi o autor da encíclica “Rerum Novarum”, um marco fundador da Doutrina Social da Igreja, dedicada às questões laborais. A Doutrina Social da Igreja é um corpo de princípios aplicados à vida social, económica e política.
Leão XIV é agostiniano, o que implica a valorização da comunidade em detrimento do individualismo. É missionário, o que se traduz na compatibilização ou na prescindência do “eu” em função do “outro”, sobretudo o que mais necessita. É sinodal, ou seja, defende a participação de todos, para benefício comum, recusando o primado das elites. É também mariano, o que mostra respeito pela mulher, não como figura subalterna, mas como elemento central e essencial.
Com conhecimento da América Latina, Prevost condenou recentemente a perseguição aos migrantes. As suas primeiras palavras foram um apelo à Paz. É poliglota, tem estudos superiores e produção académica relevante. É, relatam os mais próximos, um homem sereno.
Estas características devem ser relevadas para além do contexto religioso – têm implicações sociais, políticas e até económicas. Num mundo dominado por discursos polarizadores, a sua eleição surge como um sinal claro de contraponto. O facto de ser moderado torna-o menos vulnerável às críticas de progressismo e ajuda a mitigar resistências internas na própria Igreja. Face a figuras como Donald Trump, o contraste é evidente e provavelmente intencional por parte dos cardeais eleitores.
Economista conselheiro