O PS perdeu o centro. Recuperará o norte?
As eleições do passado domingo foram um momento de viragem no nosso sistema político, cujo verdadeiro alcance ainda é difícil de antever. E, ao contrário do que tem sido dito, a principal novidade não foi o crescimento do Chega, mas sim o facto de a AD ter consolidado a sua posição como partido-charneira da democracia portuguesa, capaz de conquistar votos do centro-esquerda ao centro-direita. A AD - ou melhor dizendo, o PSD - cimentou a sua posição como o partido central do nosso sistema político. Já o PS, que durante décadas desempenhou esse papel, está acantonado à esquerda e em risco de “bloquização”, como disse esta terça-feira o seu militante Sérgio Sousa Pinto, numa entrevista publicada na edição online do DN.
O mais curioso é que foi o próprio PS a colocar-se a si mesmo nesta posição. Numa altura em que a sociedade portuguesa já dava claros sinais de que estava a virar à direita, o PS elegeu o secretário-geral mais à esquerda de que há memória. E não foi por falta de aviso. As sondagens valem o que valem, mas há momentos em que não podem ser ignoradas. As que foram realizadas aquando da eleição do sucessor de António Costa à frente do PS indicavam que o moderado José Luís Carneiro era o candidato melhor posicionado para derrotar Luís Montenegro. Apesar deste e de outros sinais, os militantes do PS elegeram Pedro Nuno Santos, numa espécie de cavalgada heróica, cujo resultado está à vista.
O PS perdeu assim o centro político, entregando-o de mão beijada ao PSD, que agora constitui, de facto, a única força capaz de travar a ascensão do Chega. Nos próximos tempos, por muito moderada que seja a liderança, com Fernando Medina ou José Luís Carneiro, o PS terá dificuldade em recuperar esse espaço, a menos que Montenegro cometa erros graves ou volte atrás na recusa de uma aliança com o Chega. O PS está, de certa forma, dependente do que a AD fizer, para o bem e para o mal.
Dito isto, o PS tem alguns trunfos que poderá utilizar nas negociações para a viabilização de um novo governo. O primeiro deles é o facto de a AD ter mais a ganhar em estabelecer alguma forma de entendimento com o PS do que em colocar-se nas mãos do Chega. O qual, para além da sua volatilidade, é agora a principal força da oposição e já não esconde o desejo de integrar toda a direita sob a sua alçada. A AD e o PS partilham a mesma visão moderada sobre a democracia, a economia social de mercado, o Estado Social (com algumas diferenças), a integração europeia e outros temas cruciais.
Embora possa dar-se ao luxo de manter as opções em aberto e falar com todos, a AD tem a ganhar em entender-se com o PS para aplicar o seu programa em algumas áreas-chave. Já o PS tem de conseguir fazer um equilíbrio quase impossível entre continuar a ser oposição e, ao mesmo tempo, chegar a um entendimento com a AD que lhe permita ter uma palavra a dizer sobre uma eventual revisão constitucional ou a definição de políticas em áreas como a Saúde e a Segurança Social. No momento em que vivemos, todos têm responsabilidades a assumir. Os moderados ainda mais.