O próximo Papa será conservador?

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O estado de saúde do Papa Francisco é um dos temas que têm marcado a atualidade noticiosa nas últimas semanas. Com 88 anos, o Sumo Pontífice contraiu uma pneumonia bilateral e a sua situação clínica inspira muitos cuidados. Por esta razão, mas também pela idade avançada, a sua sucessão ao leme da Barca de Pedro é, cada vez mais, um tema na agenda.

A Igreja Católica que Francisco deixará ao seu sucessor aparenta ser uma instituição diferente, em vários aspetos, daquela que encontrou quando foi eleito, em 2013. Menos romana (ou eurocêntrica) e mais arejada e aberta ao mundo. Mais inclusiva, tolerante para com todos e capaz de chegar a mais pessoas. Porém, é também um corpo profundamente dividido, com uma parte significativa do clero e dos crentes cada vez mais distante das posições que Francisco tem tomado, sobretudo nos países do Sul Global, que são aqueles onde o catolicismo mais tem crescido em termos de seguidores. Muito provavelmente, a única razão pela qual não ocorreu ainda um cisma é o facto de o Papa ter quase 90 anos e se esperar que, num futuro próximo, seja eleito um sucessor que consiga unir as diferentes correntes da Igreja. A qual não é um monólito, mas antes uma comunidade com mais 1,3 mil milhões de pessoas, com diferentes realidades, tendências e formas de pensar.

Antes de prosseguir, é importante notar que a Igreja Católica é uma das instituições mais antigas em funcionamento em todo o mundo, rivalizando apenas com as suas irmãs do Oriente, e, eventualmente, com o Trono do Crisântemo, se as lendas sobre a origem da monarquia japonesa tiverem fundamento histórico. É uma instituição que aprendeu a moldar-se às circunstâncias e que, de forma repetida e bem-sucedida, enfrentou inimigos muito poderosos, desde os primeiros Césares até aos tiranos do século XX. Ao longo de 2000 anos, não foram poucos os que vaticinaram apressadamente a sua morte, ou que a subestimaram. Estaline, por exemplo, perguntava em tom jocoso quantas divisões tinha o Papa. Porém, 80 anos depois, onde está hoje o comunismo ao estilo soviético, quando comparado com a Igreja que Francisco lidera?

O Papa em Portugal, em 2023, na Jornada Mundial da Juventude.
O Papa em Portugal, em 2023, na Jornada Mundial da Juventude. FOTO: Leonel de Castro / Global Imagens

De resto, apesar da relativa descristianização da velha Europa, a Igreja continua pujante nos países onde a população mais tem crescido. E, por onde existe, o vazio espiritual não tarda a ser preenchido, seja pelas religiões tradicionais, seja por variantes “laicas”, que também prometem paraísos futuros. É, por isso, muito redutor avaliar a religiosidade por expressões formais, como a frequência dos cultos, para mais numa altura em que os canais digitais permitem novas formas de pertença religiosa e de viver a espiritualidade. É quase como calcular o número de benfiquistas pelo total de bilhetes vendidos nos jogos da Luz. Já para não falar do facto de que as denominações cristãs que têm perdido mais adeptos nos últimos anos, em termos formais, são precisamente aquelas que, nos países ricos, mais depressa abraçaram a modernidade e as suas causas, como a Igreja de Inglaterra.

A realidade é, por isso, mais complexa do que pode parecer à primeira vista, porque a religião prospera onde tem algo a oferecer às pessoas. E este algo não será uma narrativa politicamente correta sobre temas sociais, mas sim esperança e sentido para a vida, num mundo que continua a ser cruel e injusto. Só a religião consola totalmente, terá dito Napoleão, que no auge da fama recusou ser divinizado. “Para alguém fundar uma religião é preciso duas coisas: primeiro, morrer numa cruz; segundo, ressuscitar. A primeira eu não quero; a segunda eu não posso", terá afirmado.

"Se tivesse de apostar, como fazem os romanos nestas alturas, diria que é de esperar que o sucessor de Francisco seja alguém com credenciais conservadoras, mas capaz de manter os aspetos progressistas do atual pontificado. E de preservar a união da Igreja.”

Neste contexto, a escolha do próximo Papa será também um acontecimento político da maior importância. Tendo em conta a tendência a que temos assistido na Europa e na América do Norte, de um regresso em força do conservadorismo e da rejeição de muito do ideário woke, é provável que o próximo pontífice acompanhe a tendência dos tempos, tal como Francisco surgiu numa altura em que as ideias progressistas estavam em voga.

Claro que os cardeais reunidos em Conclave nos poderão surpreender e eleger um Papa contracorrente, mas diria que essa possibilidade iria contra o sentimento de grande parte dos católicos em todo o mundo. Há muito que o bispo de Roma deixou de ser eleito por aclamação pela populaça da Cidade Eterna, alegadamente inspirada pelo Espírito Santo, mas o risco de um cisma é real e os cardeais sabem-no. Se tivesse de apostar, como fazem os romanos nestas alturas, diria que é de esperar que o sucessor de Francisco seja alguém com credenciais conservadoras, que seja ao mesmo tempo capaz de manter os aspetos progressistas do atual pontificado e de preservar a união da Igreja.

Diretor do Diário de Notícias

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