O Processo
Luís Montenegro tem vindo a confessar-nos que decidir é um parto doloroso, uma saga que se arrasta entre o sim e o não, num labirinto de talvezes que mais parecem saídos de um romance kafkiano. Até que, num momento de epifania, a decisão surge, plena e inabalável, como se tivesse sido sempre óbvia. “Quando decido, decido mesmo.” Pedro Nuno Santos, em contraste, é a incarnação da pressa portuguesa em chegar a lado nenhum. Critica a nossa indecisão endémica: não é impulsivo, é só decidido num país que hesita perante a escolha do prato do dia. E a diferença entre estes dois aspirantes a primeiro-ministro nunca se desenhou tão nitidamente como nesta semana.
1. Teste de Fogo: A primeira pergunta do frente a frente não tinha sido treinada em casa. Clara de Sousa, perante a inesperada manifestação dos polícias que bloqueava o acesso ao Teatro Capitólio, questionou primeiro Luís Montenegro, que, fiel ao seu mantra de hesitação, respondeu com inusitada ponderação. Não tinha decidido ainda. Onde Montenegro hesitou, Pedro Nuno fez valer a impulsividade, que lhe valeu o debate. A contraposição entre a indecisão e o instinto político foi fatal.
2. O Silêncio vs Pensar em Voz Alta: até segunda-feira, nenhum dos dois tinha quebrado o tabu da governabilidade. Visto que uma maioria absoluta é improvável, o que é que o segundo partido mais votado deve fazer em relação ao primeiro? Moção de censura imediata? Deixa-o formar governo e depois logo se vê? Mais uma vez, a questão foi lançada primeiramente a Montenegro (que já tinha sido francamente confrangedor perante a mesma pergunta), que se recusou a responder porque não quer pensar em cenários de derrota. Mas Pedro Nuno Santos decidiu e desfez o nó. Mais um golo. Mas não se aguentou muito tempo, porque é impulsivo, e a imagem de confiabilidade que havia dado na noite anterior desfez-se no dia seguinte: “Se não houver reciprocidade do PSD em viabilizar um governo minoritário, o PS sente-se desobrigado de cumprir o que disse.” O decisor ficou indeciso.
3. O Clímax? Apesar da forma pouco cuidada de Pedro Nuno, a estratégia pode não ser má. O PS perdeu, aquando do “não é não”, a hipótese de usar o fantasma do Chega para colecionar votos, e encontrou aqui um novo trunfo que, se não for desatado, pode ajudar a focar a campanha, uma vez mais, na ameaça do caos. Luís Montenegro está agora numa posição muitíssimo difícil. Se ceder agora, estará a demonstrar que só decide sob coação – precisamente o que Pedro Nuno recusou fazer aquando do protesto policial. Mais ainda, se disser que viabiliza um governo socialista, arrisca-se a desiludir eleitores de direita que poderão fugir para o populismo. Também pode não dizer nada, demonstrar-se indeciso, e deixar o PS cavalgar o fantasma da extrema-direita durante estas próximas três semanas. Ou pode tentar liderar e dizer que quem tem a responsabilidade de assegurar uma viabilização é o Partido Socialista. Quem tem um papão no seu campo político não é o PS – é o PSD. Pedro Nuno está em vantagem: pode coligar-se com quem lhe apetecer. Montenegro já abdicou, e bem, dessa possibilidade. Cabe ao PS contribuir. Ou será que tudo o que o PS sempre quis era, afinal, a abertura do caminho para a extrema-direita?