Eis-nos à beira do fim do ano 2024. Creio ser pouco prudente fazer um balanço apressado, em cima do momento. O tempo dir-nos-á quais as conclusões que se poderão de facto tirar. Fazer história à saída do campo de batalha não é mais do que uma impressão parcelar, uma pincelada num quadro ainda longe das suas cores definitivas. A invasão russa na Ucrânia, a complexidade da situação no Médio Oriente, os recorrentes atos de terrorismo no Sahel, no Sudão e noutras partes do mundo, incluindo no norte de Moçambique, no Afeganistão, no Paquistão, em Myanmar e noutros locais, como o México e mesmo em subúrbios importantes e em muitas cidades francesas, são exemplos dramáticos da violência que foi acontecendo ao longo dos meses. 2024, independentemente do julgamento que se possa vir a fazer mais tarde, foi um período de agravamento e aceleração dos conflitos armados, de novas brutalidades..Essa é para já a conclusão que se pode tirar. Seria ingénuo não entender a tendência atual das relações internacionais: maior rivalidade entre as superpotências, com especial destaque para três dos Estados com assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas; o uso da força bruta e injustificada contra a força do direito internacional; a emergência de novas alianças em detrimento da autoridade e dos valores que as Nações Unidas representam; e o destroçamento da globalização, a qual havia contribuído durante as últimas quatro décadas para o esbatimento das desigualdades entre os povos, para a diminuição da precariedade social e para uma maior cooperação entre muitos países. .2024 ficará por muitos anos ligado ao retorno acelerado ao nacionalismo económico e político, ou seja, às derivas políticas protecionistas. O protecionismo é o estandarte das grandes potências. Noutros casos, como acontece agora com a União Europeia, o protecionismo é uma fortaleza frágil, na qual países em perda de velocidade se tentam refugiar. É, ao mesmo tempo, o fosso que visa tornar intransponível a passagem das populações pobres para uma situação mais humana. É, como o muro de Donald Trump, a barreira que impede a procura de uma vida melhor, a atenuação das desigualdades sociais entre as nações, a migração para um mundo apesar de tudo mais seguro..É assim, com uma realidade que nos preocupa, e muito, que chegamos ao fim do ano. Na realidade, foram doze meses sem líderes à altura, incapazes de ver para além do largo da aldeia e da sua continuação à frente da paróquia..Se me pedissem para designar o líder do ano, não teria qualquer dúvida em mencionar Volodomyr Zelensky. Tem sido um líder incansável, corajoso e imaginativo, que mostra não ter qualquer tipo de receio diante do monstro gigante que lhe invadiu a casa e a procura reduzir a cacos. No pódio onde o vejo, distingo lá bem em baixo, umas baratas, tantas vezes tontas, que se agitam em várias direções. São os principais dirigentes europeus e o inquilino da Casa Branca em Washington, liliputianos que passaram o ano hesitar, quais cataventos, sem ousarem encarar a realidade como ela é, uma guerra dos tempos modernos, multifacetada, híbrida, existencial, definitiva. Vejo-os, sobretudo, como políticos medíocres que, como todos os oportunistas, têm medo de entender a direção que o mundo tomou na última quinzena de anos, desde as crises financeiras que emergiram nos finais da primeira década deste século, à eclosão das Primaveras Árabes e à irreparável fratura do Conselho de Segurança no início dos anos 2010. E que não parecem capazes de prever o que aí vem, a curtíssimo e a médio prazo. .O próprio Xi Jinping, autocrata de um império em acelerada competição taco-a-taco com os americanos, passou o ano calado. Isso é inaceitável, tendo em conta a responsabilidade da China enquanto segunda potência das Nações Unidas e também como pretensa alternativa aos valores ocidentais. Xi pensa que a aliança com Putin é uma vantagem. Bem se engana. A aliança entre falsários acaba sempre à facada. Entretanto, a China tem muito a perder com a guerra, com qualquer guerra, sobretudo com um conflito que quebre a ponte económica e científica entre o Extremo Oriente e a UE. Nesta fase da nossa história não há guerra global justa. Mesmo quando se trata de responder em termos de legítima defesa, um direito indiscutível, o Artigo 51 da Carta das Nações Unidas exige celeridade por parte do Conselho de Segurança. Xi não deve ter lido este Artigo com a atenção necessária. .A bola de cristal para 2025 ainda não está inteiramente disponível. Mas tem todos os indícios de ter um custo ainda maior.