O olhar espanhol sobre o 25 de Abril

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Muitos livros foram publicados ou republicados ao longo de 2024 por ocasião dos 50 anos do 25 de Abril, mas Abril É Um País, de Tereixa Constenla, destaca-se por nos oferecer o olhar de uma espanhola. E se o objetivo inicial do livro da correspondente do El País em Lisboa, agora finalmente traduzido para português, foi dar a oportunidade aos leitores espanhóis de saberem mais sobre a Revolução dos Cravos, o leitor português aprenderá certamente também nestas mais de 300 páginas da cuidada edição pela Faktoria K, até porque a jornalista falou com muita gente sobre as vivências da época, do coronel Carlos Matos Gomes à jornalista Maria Antónia Palla, passando pela escritora Lídia Jorge.

Fica evidente a sua admiração por Salgueiro Maia, capitão de Cavalaria, veterano da Guerra Colonial, figura-chave naquele dia 25 de abril de 1974, homem sobre o qual, conhecendo o modo como negociou no Largo do Carmo com a GNR a rendição de Marcello Caetano, escreveu: “Se alguém como o capitão Maia tivesse nascido nos Estados Unidos ou em França, dois países com arte para transformar os ícones locais em glórias universais, hoje usaríamos camisolas com o rosto dele e citaríamos algumas frases como fazemos com as de Martin Luther King.”

Tereixa Constenla, que ainda há dias publicou no grande jornal espanhol o obituário de Celeste Caeiro, que foi quem ofereceu aos soldados os cravos que deram nome à Revolução, oferece-nos, pois, um olhar estrangeiro sobre esse momento da História de Portugal, e por ser um olhar de alguém do país vizinho, já tem tudo para ser especial. Mas aquilo que também é especial, e que a jornalista desenvolve numa entrevista publicada este domingo, dia 8 de dezembro, no DN, é o impacto dos acontecimentos portugueses em Espanha, que não é apenas um país vizinho, mas um país, como sublinha, que tem uma História ao longo do século XX praticamente paralela à de Portugal: ditadura quase em simultâneo, afirmação da democracia praticamente ao mesmo tempo, adesão conjunta à União Europeia.

No que diz respeito à conquista da democracia, Portugal ajudou indiretamente a Espanha, afirmaram já muitas vozes, desde políticos a historiadores. Tereixa Constenla menciona, na conversa, os muitos espanhóis que a seguir à Revolução dos Cravos fizeram peregrinações para vir conhecer a liberdade. Um misto de curiosidade e de inveja, nota. Mas sobretudo alerta para o sobressalto que os acontecimentos em Lisboa causaram nos círculos de poder em Madrid, onde Franco, velhíssimo, ainda mandava, tendo assistido à morte de Salazar e depois à queda de Caetano. Um sobressalto que serviu de aviso para que o regime franquista, assim que morreu o seu fundador, avançasse com um processo controlado de transição, para evitar que acontecesse em Espanha o mesmo que em Portugal.

Comenta ainda a jornalista que em Espanha se conhece pouco da História de Portugal. Que o interesse podia ser maior. Também em Portugal, admitamos, não sabemos assim tanto da História de Espanha, tirando quando esta se cruza com a nossa, como em Aljubarrota,  em 1580, ou durante as invasões francesas. Mas não pode ser mera coincidência este percurso em paralelo já destacado. E, sim, devemos, de um lado e do outro da fronteira, procurar saber mais sobre o vizinho: este Abril É Um País dá um contributo.

Diretor-adjunto do Diário de Notícias

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