O novo programa de Governo para a Justiça

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Não há qualquer dúvida de que o programa eleitoral do Partido Socialista foi devidamente referendado e apoiado pelo voto popular nas últimas eleições legislativas. E isso retrata-se num programa de Governo que, também na área da justiça, se repercute na escolha de prioridades e de ações, que o novo executivo e o novo parlamento, de maioria absoluta do PS, devem assumir e implementar, usando a liberdade e a legitimidade democráticas que atingiram.

O atual programa de Governo na área da justiça é ainda em boa parte tributário daquele que foi o programa inaugural do PS em 2015, ao tempo enquadrado também por uma "Agenda para a Década". A década está a finar-se, mas efetivamente não o seu programa.

Três eixos fundamentais enquadravam então e igualmente hoje a dimensão de intervenção política na área da justiça:

a) Morosidade, complexidade e gestão no domínio judicial, incluindo desde logo a gestão de tecnologia nos processos de trabalho;

b) Meios de resolução alternativa de litígios;

c) Atenção adicional no serviço público devido, em especial na relação com os utilizadores dos sistemas no âmbito da justiça.

Adicionalmente, podem também assinalar-se o reforço de meios para a investigação criminal, a melhoria significativa das condições do sistema penitenciário e de reinserção ou da orientação dos sistemas públicos para com as vítimas de crimes - mas deve modelar-se efetivamente da sua prioridade, dada a escassez de recursos e a sua relativa e oscilante atenção mediática.

Atendendo aos três eixos prioritários, é pacífico assinalar-se que, no que toca à morosidade do sistema judicial, à sua complexidade ou à capacidade introduzida da sua gestão quotidiana, os seus resultados, medidos e públicos, são ambivalentes, atendendo à realidade desde 2015. Em relação aos processos judiciais cíveis, a duração média das ações executivas passou de 45 meses em 2015 para 57 meses em 2020, últimos dados públicos de acordo com as estatísticas oficiais, e se os processos declarativos diminuíram de 14 para 10 meses, na primeira instância, as injunções duplicaram a sua duração média, de 2 para 4 meses. Isto com uma diminuição, muito relevante, de 25% dos processos entrados no sistema e com a manutenção dos níveis de recursos humanos ao seu serviço, como o número de juízes e procuradores. Não há portanto, globalmente, qualquer rotura significativa, nos últimos sete anos, no que diz respeito à capacidade de resposta do sistema judicial. Sou até testemunha, na primeira pessoa, dos esforços feitos pela equipa política da justiça para essa melhoria, mas é também devido reconhecer-se, neste momento, que ela não ocorreu e seria bom ponderar-se sobre esse resultado.

Em relação aos meios de resolução alternativa de litígios, como os julgados de paz e os serviços públicos de mediação, eles estão basicamente como foram deixados em 2009, pelo último governo que os procurou valorizar. Em vez de alternativa de proximidade e efetiva, barata e rápida, para a resolução dos problemas de pessoas concretas, foram sendo vistos como ameaça ao sistema judicial tradicional e à advocacia refém da quezília e não da solução. A promessa eleitoral, agora, é a da sua valorização, disseminação e atualização à realidade de hoje, por exemplo, através da criação de tribunais especializados online e da sua generalização no território nacional. Apenas se pode esperar o concretizar do programa apresentado.

Quanto à relação dos sistemas de justiça com os seus utilizadores, desde logo cidadãos e empresas, mantém-se, por exemplo, apesar das boas experiências realizadas em sentido contrário e com notável sucesso, a ininteligibilidade como regra das comunicações dos tribunais ou dos serviços de registo para com as pessoas comuns. Ou, por exemplo, a exigência de apresentação física num tribunal judicial para prestar declarações por videoconferência para um outro tribunal distante, quando tal poderia ser feito de casa ou do emprego, em idênticas ou melhores condições de comunicação, o que tem implicações na vida de milhares de pessoas por semana.

Seria agora um bom momento para alterar esta realidade e outras semelhantes, associadas à intervenção, assinalada igualmente no programa de governo, de redução das custas judiciais e de melhoria do acesso aos sistemas de justiça.

Aceder a um direito não deve significar um custo insuportável. Deve ser apenas um direito fundamental, em condições de ser exercido.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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