O novo "Grande Jogo" na Ásia Central
Outrora palco de um "Grande Jogo" entre os impérios russo e britânico, a Ásia Central voltou a ser uma região onde decorrem disputas entre grandes potências. Neste novo "Grande Jogo", países como o Cazaquistão e o Irão são hoje atores interventivos ao invés do que sucedeu no século XIX. Estas disputas têm lugar em múltiplos planos.

No plano militar, nenhum dos "istões" tem especial poder. Os EUA têm procurado incrementar a cooperação militar com países como o Cazaquistão, o Uzbequistão e o Tajiquistão. Mas a sua derrocada militar no Afeganistão e a inconstância na sua política externa não inspiram confiança. Até recentemente, a Rússia continuava a ser a potência preeminente, como atestado pela intervenção de um contingente militar russo no Cazaquistão, em janeiro de 2022, a pedido do presidente Toqayev e sob a égide da Organização do Tratado de Segurança Coletiva, para debelar uma revolta popular. Esta "aliança militar e de cooperação", criada entre estados da ex-URSS, já perdera em 1999 a Geórgia, o Uzbequistão e o Azerbaijão e, após a condenação que a generalidade dos seus membros fez à invasão da Ucrânia pelo Rússia, não se antevê que volte a ser ativada tão cedo. Sobretudo depois de o Cazaquistão ter aplicado sanções à Rússia pela invasão da Ucrânia e ter vendido armamento para a Ucrânia.
Já a Organização para Cooperação de Xangai que, para além de quase todos os estados da Ásia Central, inclui ainda como membros a China, a Índia, o Paquistão e o Irão, pode bem vir a alargar o seu âmbito para propósitos para além da finalidade principal inicial - a cooperação para a segurança, em especial, quanto a terrorismo, separatismo e extremismo.
A região é rica em reservas de petróleo, gás natural, urânio e minérios essenciais para a produção de metais críticos. Pelo que, no plano económico, os investimentos e trocas comerciais com os principais blocos económicos mundiais têm vindo a crescer. Entre 2007 e 2019 o IDE na Ásia Central totalizou 351 mil milhões de euros, dos quais 40% proveniente da UE. Os EUA investiram na região, desde 1992, 50 mil milhões de dólares. Parte significativa destes investimentos foi na exploração de petróleo e gás, na infraestrutura do seu transporte e em serviços conexos. A China também tem feito investimentos significativos na região, sobretudo em energia, logística e infraestruturas. O Cazaquistão foi o principal país recipiente, com 77,7% do IDE total (o seu PIB é 60% do total dos "Istões").
A Ásia Central é o principal corredor entre a China e a Europa e entre a Rússia e a Ásia do Sul. Os projetos energéticos (como o gasoduto Ásia Central-China) e logísticos constantes do corredor terrestre da BRI (Nova Rota da Seda) dependem de estabilidade na região, que é também a principal passagem para o sistema de oleodutos do Caspian Pipeline Consortium.

Nos planos cultural e linguístico, a Turquia tem relações de enorme proximidade com muitos dos países da Ásia Central; a maioria dos "istões" falam línguas túrquicas, até porque o povo turco provém, na sua maioria, dos turcomenos.
O declínio da Rússia, o receio de dependência económica da China, a incerteza quanto ao empenho a prazo dos EUA, abrem portas para uma maior presença da UE, da Índia e da Turquia num novo e mais complexo Grande Jogo com implicações geopolíticas globais.
Consultor financeiro e business developer
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