O mundo não está louco… apenas alguns estão

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Quando um país como os EUA é liderado por uma pessoa que baseia as suas decisões unicamente nos seus valores ideológicos e nas suas crenças pessoais, sem atender a qualquer teoria económica, a qualquer regra básica de diplomacia internacional, a qualquer princípio básico de política pública e de bem-estar comum, podemos ter a tentação de pensar que o mundo está louco. Mas não está. Existem loucos sim, e o principal louco é o presidente dos EUA, mas há muito mais mundo para além da América.

Em tempos, há cerca de 2 ou 3 anos, estava eu a dar formação ao Conselho de Administração e Diretores de uma instituição financeira em Portugal, quando o fundador da instituição me pergunta “Estes temas da sustentabilidade não são apenas baseados em ideologia? Não é perigosa esta ideologia? Para onde nos vai levar?”. Fui pensar, e na semana seguinte tentei responder dizendo que tem existido sempre uma teoria económica que suporta políticas e leis que são criadas, e que nos anos 80 a teoria económica da liberdade total dos mercados levou à crença de que era positivo os bancos estarem muito alavancados em empréstimos, tendo também levado à crença de que economias se podiam endividar, tal como os EUA, pois com isso conseguiriam crescer. Anos mais tarde, alguns bancos ficaram demasiado frágeis financeiramente face aos empréstimos e investimentos que concederam, e um dos objetivos principais dos países passou a estar associado a tudo fazer para se ter um baixo déficit. Nos anos 80 expandiu-se a teoria que a maximização do lucro e dos dividendos é a medida de sucesso de um gestor, quando isso implica criar empresas nada resilientes ao futuro, que se prevê imprevisível. E agora estamos na fase em que a teoria do desenvolvimento sustentável é aquela que orienta as políticas publicas a nível Europeu e mundial. Não sei se a minha resposta foi convincente...

É muito fácil ter lucro a curto prazo e maximizar os dividendos a 2 ou 3 anos, mas é muito difícil manter uma empresa a funcionar, a garantir os salários dos trabalhadores qualificados e dedicados, a inovar e a manter a sua presença no mercado mesmo em momentos inconstantes, por mais de 5 anos... um horizonte demasiado longo para quem apenas quer dividendos. Esta é uma ideologia suportada na teoria do acionista de curto prazo. Uma teoria que não se importa com o médio e longo prazo, não se importa com a forma como os filhos dos seus colaboradores poderão crescer, uma teoria que se baseia na pura ganância e egoísmo, uma vez que os detentores dos dividendos acreditam que os seu filhos e netos estão protegidos.

Esta não era a teoria defendida por Adam Smith. Adam Smith defendia a ética e o dever de cuidar dos outros, na realidade ele defendia que cada pessoa era um ser ético e, como tal, sentia prazer em ver a felicidade dos outros. Ora, alguém que apenas ambiciona o lucro e dividendos, e não se importa nem sente nada com a felicidade ou tristeza dos outros, pois apenas está focada em si mesma, não está alinhada com o criador da Economia de Mercado - Adam Smith. Está sim alinhado com a teoria do egoísmo que marcou os anos 80 e que agora está a surgir novamente com o presidente dos EUA. E veja-se as consequências em “fast forward”.

A boa notícia é que nem todos são ignorantes e a diversidade traz-nos diferentes formas de ver o mundo e diferentes oportunidades de enfrentar os desafios. Apesar da loucura nos EUA, muitas das outras potências na Ásia e no Oriente estão a manter-se alinhadas com uma nova teoria económica que começou a ser mais falada nos últimos 10 anos, mas já existente desde os anos 60, e que argumenta que uma economia só funciona se tivermos um ecossistema em equilíbrio e uma sociedade que evolua para a prosperidade. Esta teoria - a do desenvolvimento sustentável - tem subjacente a ideia de que as empresas também devem gerir os seus negócios, de forma a contribuírem para uma economia mais equitativa, onde uma boa gestão é aquela que incorpora nas decisões de hoje as consequências dos impactos dessas ações no futuro. Ou seja, uma boa gestão é aquela que consegue manter a empresa e a sua equipa a funcionar por mais tempo, sendo resiliente aos imprevistos, e sendo assim capaz de apresentar-se com qualidade ao mercado. Isso implica reconhecer que as empresas devem diminuir os seus impactos ambientais e devem ser agentes de mudança em prol de uma sociedade cada vez mais prospera. Implica assim reconhecer que o desafio da gestão não é em maximizar o lucro a curto prazo, mas sim ser capaz de criar uma empresa resiliente, adaptativa, rápida na atuação estratégica e com valor acrescentado, e para isso há sempre que investir na empresa ... e não retirar exclusivamente dividendos.

Sinais existem no mundo de que esta teoria não está a ser abandonada, mesmo com a pressão anacrónica de ignorante do presidente dos EUA. Sinais existem de que a teoria económica do desenvolvimento sustentável está a ganhar terreno na Ásia e em África:

- A China lançou o seu Guia para as empresas começarem a reportar os temas de sustentabilidade anualmente

- O Gana e vários outros países africanos estão a desenvolver os seus frameworks para a Sustentabilidade, bem como as suas Taxonomias de transição, adaptação e verdes

- Um estudo recente do Instituto do Banco Asiático de Desenvolvimento, concluiu que quase 70% das entidades reguladoras financeiras asiáticas planeiam introduzir divulgações obrigatórias relacionadas com temas climáticos e/ou ESG; cerca de 70% dos inquiridos afirmaram também que tencionam exigir que as empresas divulguem se os créditos de carbono são baseados na tecnologia ou na natureza, enquanto 25% tencionam exigir ou recomendar a divulgação do facto de os créditos cumprirem normas de elevada qualidade.

- Em Março o Japão também lançou os seus standards de reporte de sustentabilidade alinhados com a IFRS, tendo agora divulgado standards que as empresas japonesas deve, seguir para divulgar as suas práticas de sustentabilidade e as praticas associadas á gestão dos riscos climáticos.

- Também África tem vindo a sentir estes desenvolvimentos, com vários bancos centrais a publicarem as suas expectativas de como os riscos climáticos e/ou temas de sustentabilidade devem ser incorporados pelas instituições financeiras e grandes empresas.

Assim, podemos constatar que, se por um lado existe uma comunicação intensa sobre o retrocesso intelectual e civilizacional que a Administração Americana está a tentar impor ao mundo, por outro temos muitas nações que irão continuar este caminho do progresso humanista que tanto precisamos. E a Europa também vai continuar nesse caminho. Cabe-nos a todos também fazer por isso: falar e agir. Não é altura para enterrar a cabeça na areia e ficarmos confortáveis nos nossos miniecossistemas caseiros. É altura de defender os direitos humanos, defender o futuro, defender a qualidade de vida do meu filho. Eu irei partir, mas ele fica. E não queria de todo vê-lo em apuros porque eu limitei-me a ficar contente com a minha conta bancária ... um fator tão pequeno à escala dos problemas que enfrentamos hoje.

PhD, CEO da Systemic

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