O messias norte-americano

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A semana começou com um tema a sobrepor-se sobre todos os outros: a tomada de posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos. É curioso como algumas das características impregnadas pela herança judaico-cristã de matriz europeia se mantêm como referências. Muito do que se tem vindo a dizer fez-me lembrar a época dos Juízes na formação de Israel, entre o período da conquista da Terra Prometida até ao início da monarquia.

Aqueles que admiram Trump colocam-no como um desses Juízes, com uma aura quase de profecia (“Fui salvo por Deus para tornar a América grande de novo”): restaurar a paz entre o povo e o seu Deus, liderar em tempos de crise, reconstruir a ordem e a justiça, destacando-se uma das características mais importantes e principais, o carisma.

No fundo, próximo da imagem do Messias que aparecerá e colocará ordem no caos. Chegou a ligar-se no seu discurso a Martin Luther King (o dia da tomada de posse era o feriado deste símbolo americano) e a agradecer a minorias étnicas o seu voto, dizendo que iria concretizar o seu sonho. E concluiu que era a personificação do sonho americano.

Para aqueles que detestam Tump, a recordação é para o Livro do Apocalipse: numa expressão, ele é o Anti-Cristo. Promoverá o caos, será irresponsável, actuará como um louco, perseguidor, retrógrado, um neo-nazi. Levará os EUA para o fundo do poço e o resto do mundo com ele.

Destacaram-se do seu discurso algumas medidas, muitas delas simbólicas, a maioria polémica: a mudança do nome do Golfo do México, enviar astronautas para Marte, garantir o controlo do Canal do Panamá, ordenar a saída da Organização Mundial de Saúde e do Acordo de Paris, perdoar os 1500 suspeitos da invasão ao Capitólio, impor imediatas deportações ilegais, travar nova imigração com declaração de emergência, retirar a nacionalidade americana aos filhos de estrangeiros que nasceram nos EUA, tornar o Canadá e o México como alvos de guerra comercial americana; mas as sanções económicas a outros países (incluindo na Europa) não avançam para já.

O que muitos destacam foi a luta contra a agenda woke. Estamos numa época em que, aparentemente, apontar o óbvio é revolucionário: só existem dois géneros - qualquer biólogo poderia ter dito isto. Talvez para alguns isto seja supérfluo ou irrelevante. Para outros, é um símbolo de uma luta contra aquilo que se julga ser a degradação do Ocidente.

O discurso de Trump foi feito muito à base de símbolos e este último poderá reunir, em si, a razão pela qual ganhou as eleições: a saturação de uma agenda ideológica em que a esquerda cavalgou. Ainda é cedo para ter certezas absolutas. Só nos resta esperar que não seja tão mau como profetizam, nem tão perfeito como alguns desejam. Salvador só Houve um, e foi Nosso Senhor Jesus Cristo.

Professora auxiliar da Universidade Autónoma de Lisboa e investigadora (do CIDEHUS).

Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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