O matemático romeno

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Como matemático de excelência que é (ganhou na juventude a medalha de Ouro nas Olimpíadas da Matemática), Nicusor Dan sabia que a sua eleição presidencial, depois dos 21% na primeira volta, dependia de somar o máximo de votos daqueles que não o tinham apoiado, mas que também não contribuíram para os 41% de George Simion. Mas as contas saíram ainda melhores a Dan: muitos que se tinham abstido, fizeram questão de comparecer na segunda volta das presidenciais romenas de dia 18, e assim o candidato visto como pró-União Europeia e pró-NATO derrotou por margem confortável (54% contra 46%) o candidato eurocético e que punha em dúvida o compromisso da Roménia no apoio ao esforço de guerra da Ucrânia, país vizinho invadido pela Rússia.

A vocação ocidental dos romenos, os chamados latinos de leste, confirmou-se e tanto os dirigentes da UE como a liderança da NATO respiraram de alívio. Mas há questões em aberto importantes, e os desafios para Dan, até agora presidente da Câmara de Bucareste, são muitos. E complexos.

Os últimos meses foram politicamente complicados na Roménia, com as eleições presidenciais marcadas inicialmente para 2024 a serem adiadas, depois da anulação da primeira volta pelo Tribunal Constitucional com a justificação de ingerência externa. O candidato mais votado nessa primeira volta, Calin Georgescu, considerado pró-russo, foi depois proibido de se apresentar novamente nas presidenciais, o que gerou polémica, mesmo que as autoridades tivessem apresentado provas de uso das redes sociais para influenciar os eleitores através de desinformação, e a Comissão Europeia tenha aberto um processo contra a empresa chinesa Tik Tok por violação da Lei dos Serviços Digitais. Simion, principal beneficiado pelo anulação, criticou a decisão. A Rússia, por seu lado, fez questão de classificar como “estranhas” as presidenciais romenas.

Dan, que teve uma carreira académica brilhante em França, onde se doutorou (em Matemática, pois claro!), regressou à Roménia com um forte desejo de ajudar o país a desenvolver-se, e fez da denúncia da corrupção uma das suas imagens de marca. Chegou a fundar um partido, mas para manter a sua aura de centrista em busca de consensos, acabou por sair e foi já como independente que ganhou por duas vezes as eleições municipais em Bucareste. À fama de incorruptível, somou créditos como autarca competente, capaz de resolver os problemas dos cidadãos, e o exemplo mais citado foi a renovação das canalizações da capital romena.

Para o projeto de construção da unidade europeia, esta eleição de Dan é importante. A Roménia libertou-se da ditadura comunista em 1989 de uma forma especialmente dramática, incluindo a execução de Nicolae Ceausescu, e os primeiros anos de democracia foram dificeis, com a economia a não corresponder às expectativas da população, o que deu origem a uma vaga migratória. A adesão à União Europeia em 2007 foi um momento de viragem, com o país a dar passos importantes para a aproximação com os padrões de vida da Europa Ocidental. Um sinal de como esse caminho tem vindo a ser conseguido, gradualmente, foi a entrada plena da Roménia no Espaço Schengen a 1 de janeiro deste ano. O sucesso da Roménia alimenta, aliás, muito do entusiasmo do campo pró-europeu da Moldova, antiga república soviética em que a maioria da população fala romeno.

Também para a NATO a continuidade de compromisso com o campo ocidental que Dan representa é de extrema importância (na linha do ex-presidente Klaus Iohannis), até porque a Roménia é um país na linha da frente no apoio à Ucrânia frente à Rússia. E, de uma forma diferente, também no apoio à Moldova, presidida por uma Maia Sandu que teve de se impor a adversários que preferem o regresso do país à esfera de influência russa.

Contudo, não esquecer que o vencedor Dan ser um independente deixa evidente que há problemas com os partidos tradicionais romenos, de esquerda como de direita, e que passados 36 anos existe um défice de confiança entre a sociedade romena e a sua classe política. E a divisão entre os romenos (afinal, Simion recebeu uma expressiva votação) não só é uma realidade, como reduzir esse fosso entre os convictos do destino ocidental do país e os hesitantes será um dos grandes trabalhos do matemático agora presidente, que se sentirá também reconfortado pelo Tribunal Constitucional não ter acolhido o pedido de anulação das eleições feito pelo rival, que dizia que houve ingerência estrangeira, neste caso, da França.

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