O lixo sobre as nossas cabeças

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Embora a vida na Terra já esteja suficientemente dramática, também do Espaço têm chegado notícias inquietantes. E não falo do asteroide 2024 YR4, cujas monitorizações mais recentes indicam que já não será um problema direto para os terráqueos (mas sim, eventualmente, para a superfície da Lua).

Mais significativa e próxima do que essa ameaça é aquela que foi debatida na última semana pela Agência Espacial Europeia (ESA): o lixo. Sim, leu bem. O lixo que se acumula em volta da Terra desde que começámos a explorar o Espaço é um problema de cada vez maiores dimensões e pode ter consequências dramáticas no progresso da vida cá no burgo.

Provavelmente, lembra-se de ter visto as imagens de uma tribo no Quénia a olhar para um grande anel de metal com mais de 500 quilos que caiu na região de Makueni, em dezembro passado. Não pense que é assim tão inusual. Em 2024, restos de velhos satélites ou foguetões reentraram na Terra a uma média de três vezes por dia, segundo a ESA.

Um pouco por todo o mundo, objetos lançados na órbita baixa da Terra (LEO, na sigla inglesa) estão a cair de volta. Alguns queimam-se inofensivamente na atmosfera, mas há outros que sobrevivem à reentrada e atingem o solo a grande velocidade, às vezes em áreas povoadas. Essa órbita baixa da Terra, a região do Espaço que se estende entre 160 a 2000km acima da superfície terrestre, é a zona mais congestionada - é lá que estacionam constelações de satélites , sejam meteorológicos, de comunicação ou de navegação, ou a Estação Espacial Internacional (ISS).

Ora, segundo o último relatório da ESA, são já cerca de 40 mil os objetos rastreados por redes de vigilância espacial. Mas estima-se em mais de 1,2 milhões os objetos que andam ali à solta.

Desde que o Sputnik 1 foi lançado pela ex-União Soviética, em 1957, muito mudou na exploração espacial. Sobretudo nos anos mais recentes, com a entrada de empresas privadas como a SpaceX, Amazon ou OneWeb nessa corrida. E hoje há cerca de 12 mil satélites em órbita.

Os cientistas apontam para o risco iminente de ativarmos a síndrome de Kessler, teoria apresentada em 1978 pelo cientista da NASA Donald Kessler: um efeito dominó com reações em cadeia, em que colisões geram mais destroços, aumentando exponencialmente o risco de novas colisões. Isso pode impedir novos lançamentos e bloquear o acesso ao Espaço, afetando missões científicas, comerciais e até futuras explorações lunares e a Marte.

Num cenário limite, se nada tivermos aprendido com os erros em Terra e descurarmos também a poluição espacial, arriscamos um sério retrocesso civilizacional. Exige-se, por isso, cooperação internacional e mudança de mentalidades. Infelizmente, vivemos por cá o pior dos contextos. Mas, se não introduzirmos com urgência a palavra sustentabilidade no debate espacial, é o futuro do espaço como recurso comum da Humanidade que fica em causa. Evitar a síndrome de Kessler deve ser uma prioridade global.

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