O Livro Branco da Defesa da União Europeia: Oportunidades para a Indústria de Defesa Nacional
A Europa que durante décadas viveu sobre o manto protetor das capacidades militares americanas, sabe pela experiência histórica, que a paz e a dissuasão no continente europeu, só é exequível através da força militar efetiva.
O relatório Draghi foi um grito de alarme e uma chamada de atenção para o atraso tecnológico da Europa, particularmente a sua indústria de defesa. Em março último a UE aprovou o Livro Branco da Defesa Europeia até de 2030, um programa de rearmamento sustentado, com um financiamento de 800 mil milhões de euros a quatro anos. Programa assente na definição de prioridades para resolver lacunas graves e críticas na defesa europeia.
Simultaneamente foi aprovado o “Security Action for Europe (SAFE)”, um pacote de financiamento com o objetivo de maior autonomia estratégica, no valor de 150 mil milhões de euros, que será conseguido através dos mercados de capitais, e redistribuídos para os estados através de empréstimos.
Para Portugal, com uma indústria de defesa incipiente, esta é uma oportunidade para dinamizar as nossas capacidades industriais de defesa. Sem uma indústria de defesa robusta, isto é, baseada no desenvolvimento e produção de equipamentos militares pesados, poderá e deverá investir, de forma inteligente e pragmática, na edificação de algumas indústrias de defesa de elevada tecnologia, o que poderíamos chamar de “Nicho Tecnológico”.
O país para não “perder o comboio” do caminho agora delineado no “Livro Branco” terá de definir uma visão estratégia para a Indústria de Defesa Nacional, que deverá assentar em três princípios básicos – Incrementar, Colaborar e Entregar. Incrementar o investimento na investigação científica, colaborar com as universidades, com as empresas privadas nacionais e internacionais e entregar o produto final ao utilizador/cliente.
O país já tem algumas empresas privadas na área de drones e comunicações, com capacidade de exportação. Portugal dispõe de indústrias competitivas nas áreas dos têxteis, vestuário, calçado, máquinas e ferramentas. Possui, com alguma relevância, serviços de tecnologias de informação e comunicação, dispõe de capacidades tecnológicas muito relevantes, em áreas específicas como a biotecnologia, a química, a eletrónica, a tecnologia dos materiais, as tecnologias digitais e as tecnologias de produção.
Precisamos de investimentos na generalidade da indústria nacional e na investigação, é necessário internacionalizar a indústria de defesa, procurar consórcios com empresas internacionais, atrair investimentos externos, atrair e desenvolver talentos. Portugal pode e deve aproveitar a cadeia de valor da futura indústria de defesa europeia para seu benefício.
Multiplicam as declarações públicas sobre investimentos na indústria de defesa, é um bom sinal, depois de décadas de um completo alheamento destas matérias, contudo é urgente passar das intenções aos atos. Surge de novo no discurso político o mote “gastos com a defesa não são despesa, mas sim investimento”, em parte verdade, mas não pode ser escamoteado que as despesas acabam sempre em divida que, mais cedo ou mais tarde, têm de ser pagas.
A legislação da UE tem de mudar, muitas das atuais restrições têm que evoluir para que seja possível seguir a estratégia do relatório “Draghi”. Portugal tem de agilizar as regras e a legislação da contratação publica, particularmente no setor da defesa. Conseguir a unanimidade dos países aliados da UE na estratégia da defesa não é tarefa fácil, há vozes discordantes que temem pelos aumentos dos deficits, particularmente os países do Sul, que não percecionam as ameaças da mesma forma de que os países da fronteira com a Rússia.
Portugal com uma economia frágil, vai enfrentar dificuldades em acompanhar os países europeus no aumento anunciado dos seus orçamentos de defesa. A modernização das nossas Forças Armadas vai exigir um esforço financeiro suplementar. Mantendo-se os pressupostos de 2% do PIB no orçamento de defesa e a norma da NATO, de pelo menos 20% do orçamento ser em investimentos militares, vão ser necessários entre 12 e 15 mil milhões em dez anos.
Tenente-general Pilav (REF) Alfredo Pereira da Cruz