O 'game changer' escondido no 'Relatório Draghi'

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Mario Draghi está de volta. O seu Relatório sobre a Competitividade da União Europeia, encomendado por Ursula von der Leyen e apresentado esta semana, é uma relevante reflexão sobre a forma de enfrentar a derrapagem económica que tomou conta da Europa.

Um olhar sobre a imprensa internacional revela um entusiasmo moderado. As mais de 400 páginas do relatório terão, segundo os mais céticos, uma ambição genuína de mudança, mas as ferramentas são sempre as mesmas, implicando um esforço de investimento de 750 mil milhões de euros anuais, ao longo de um quinquénio.

Como o Diabo está sempre nos detalhes, Draghi coloca o dedo na ferida e sinaliza aquilo que, na minha leitura, é o elemento crítico, o game changer que o futuro da Europa reclama. Refiro-me à alteração do modelo de governança, acabando com os seus dois cancros: as regras de decisão e a burocracia.

O ponto de partida do antigo governador do BCE é a constatação de que a UE experimenta contínuas dificuldades na manutenção dos seus valores, nomeadamente o da prosperidade. À estagnação relativa da economia e perda de competitividade, sobrepõe-se a concorrência musculada do Estados Unidos e da China. Draghi fez as perguntas clássicas dos estrategas, encontrando respostas interessantes e viáveis.

Começou pelo básico: quais são as alavancas do crescimento no futuro, onde temos necessariamente de ser competitivos? E a resposta só podia ser o desígnio da descarbonização e a inovação consequente. A economia verde, incluindo as energias limpas, está a tornar-se o novo paradigma e a UE não se pode ficar pela liderança no discurso. Tem de investir massivamente e atalhar caminho na inovação, reduzindo a sua dependência de outros players. Para isso, o relatório aponta para a mobilização de volumes de investimento nunca vistos, através de dívida mutualizada.

A segunda questão - quais são as ameaças que reclamam maior resiliência? - remete para a Segurança e a Defesa. O valor da estabilidade europeia está em crise, com temas como o terrorismo, a imigração e a guerra, que está agora junto às fronteiras do bloco. Draghi advoga a aposta numa maior autonomia em termos de Defesa, algo que também dinamizaria muito a inovação na indústria e no digital.

Por fim, a questão crítica: o que nos afeta o caminho e tolhe o ritmo? Draghi não é meigo na crítica à burocracia, aos lentos processos de elaboração de políticas e aos processos de decisão política, que não poucas vezes estão sujeitos a vetos nacionais, recordando que a produção legislativa e reguladora na Europa é o dobro da americana.

Este é o diferenciador que nos está a atrasar, mas que os líderes nacionais teimam em manter. A verdade é que, entre os receios e a inércia, a UE vai ficando para trás e hipotecando o seu mais valioso estatuto: ser, ainda, o melhor lugar do mundo para viver.

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