O Futebol também é Soft Power português em África

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Uma reportagem do então correspondente da RTP em Moçambique, Pedro Martins, sobre a oferta de diverso material do Sporting Clube de Portugal a um clube moçambicano, provocou-me um sobressalto. Advertia então o dirigente do clube africano que, ou os clubes lusos continuavam a investir nos Países Africanos de Língua Portuguesa ou correriam o risco de ver as novas gerações viradas para clubes ingleses, espanhóis, franceses ou alemães, que a globalização da televisão veio facilitar sobremaneira.

O período colonial foi marcado pelo recrutamento de ativos, jogadores, em África, sendo o caso de Eusébio o mais emblemático, mas também pela instalação de filiais que agregaram milhares de adeptos, sobretudo dos três grandes do futebol português: Sport Lisboa e Benfica, Futebol Clube do Porto e Sporting Clube de Portugal.

Em 31 de julho de 1993, ainda no Complexo Presidencial do Futungo de Belas, arredores de Luanda, o então Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, contava-me no final de uma entrevista que lhe fiz, que o seu "portismo entusiástico" radicava no tempo colonial quando começou a frequentar a filial do Dragão em Luanda. Pouco tempo depois da emissão da entrevista em Portugal, cerca das 20h00 desse mesmo dia, fui informado que Jorge Nuno Pinto da Costa tinha telefonado a José Eduardo dos Santos para o felicitar pelas palavras proferidas. Nesse mesmo ano, em São Tomé e Príncipe, assisti, na Casa do Benfica, ao desespero traduzido em lágrimas pela situação crítica em que o clube das Águias estava então mergulhado.

Já em Maputo, capital de Moçambique, assisti a uma verdadeira cena de pugilato entre dois cidadãos em disputa pelo último exemplar do Jornal "A Bola", cuja edição tinha dois dias. Na Jamba, nas denominadas terras do fim-do-mundo, em Angola, foram encontrados milhares de exemplares de jornais desportivos portugueses quando a UNITA deixou a sua histórica base.

Qualquer português que percorra as avenidas marginais de Luanda, Maputo, São Tomé, Bissau ou Praia, num domingo à tarde, fica com uma noção clara da importância e força desta ligação ao ouvir o slogan a ecoar na atmosfera "Antena 1 Desporto, Antena 1 Desporto!", tal é o número de pessoas a ouvir os relatos dos jogos, transmitidos pela rádio pública portuguesa.

A RTP faz o seu papel, relevantíssimo, na aproximação entre povos, mas cabe aos clubes de futebol manter a chama acesa, com sua presença em África, retomando, por exemplo, as digressões de outrora e apoiando a formação de jovens africanos.

O novo modelo de negócio do futebol português aliado a um foco excessivo na Europa está a deixar a relação com África para trás, numa altura em que outros players ganham terreno naquele continente. Um bom exemplo tem sido o conjunto de estágios realizados por equipas africanas em Portugal. O Centro de Estágios de Melgaço tem acolhido nos últimos anos equipas de Angola, uma excelente forma de cooperação que estreita os laços entre os dois países e constitui uma excelente experiência que deve prosseguir.

O futebol em português também é soft power (poder suave) português se assim quisermos, numa altura em que ainda temos um astro global como Cristiano Ronaldo. Quantos negócios, quantos problemas político-diplomáticos, entre portugueses e africanos, não terão sido resolvidos à mesa de um restaurante, com conversas sobre futebol, regadas por um bom vinho português?

As emoções em português que o futebol proporciona são uma fonte de desenvolvimento das relações luso-africanas que garantirão um futuro em conjunto, mais forte e coeso, se assim quisermos.

No futebol, na natureza ou na política internacional não há lugar para o vazio.

Se não investirmos nós serão outros a ocupar o espaço e a colher os frutos.

Ainda vamos a tempo!

Antigo Jornalista da Antena 1. Técnico Superior do Camões - Instituto da Cooperação e da Língua

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