O funil

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O ataque protagonizado por um pré-adolescente de 12 anos numa escola da Azambuja, no qual feriu seis alunos, deve obrigar-nos a todos, enquanto sociedade, a uma reflexão sobre o estado da saúde mental na infância e na adolescência. A saúde mental é especialmente crítica nas idades referidas, uma vez que é aqui que se começa a desenvolver (e a sedimentar) a personalidade e a capacidade de aprender, mas também as competências de gestão emocional e de relacionamento social.

Uma análise fria aos números é de gelar qualquer pai. Um em cada seis jovens europeus entre os 10 e os 19 sofre de algum tipo de transtorno mental. São nove milhões de adolescentes europeus que têm de lidar com perturbações do foro mental, sobretudo ansiedade e depressão.

A saúde mental começa em casa e na relação familiar, mas a escola é um local apropriado para prevenir e lidar com este tipo de problema, desde que tenha psicólogos para ajudar os jovens no seu desenvolvimento. As escolas têm estes profissionais, mas estão longe de conseguir dar a atenção necessária a todos os alunos que necessitam. Atualmente, segundo cálculos da Ordem dos Psicólogos, existe um profissional para mais de 700 alunos. A métrica não se afasta muito da recomendação internacional, mas a disparidade de acesso em todo o país preocupa, com prejuízo para os jovens das regiões interiores ou mais pobres. As crianças com necessidades educativas especiais enfrentam um cenário ainda pior.

Resta o elefante na sala: qual o papel do Sistema Nacional de Saúde? O SNS não está a conseguir (se é que alguma vez conseguiu) proporcionar o acesso a psicólogos aos utentes. Nas Unidades de Cuidados de Saúde Primários há um psicólogo por cada 20 mil pessoas. Especificamente, nos Centros de Saúde há um para cada 40 mil utentes. Por outras palavras, é quase certo que aqui não haverá resposta, nem prevenção, nem um ataque precoce aos problemas.

O funil desemboca na escola, onde - se existir - o psicólogo de serviço terá de lidar com problemas já há muito implantados. Isto enquanto acumula com as funções obrigatórias de aconselhamento profissional aos adolescentes.

Ainda não estão identificados - se é que alguma vez estarão - os motivos que levaram um miúdo de 12 anos a atacar colegas com uma faca, na Azambuja. Mas é seguro assumir que, por trás de qualquer que seja o motivo, há um desequilíbrio mental que lhe dá forma e o contextualiza. Será também irrealista achar que o incidente seria evitado com um batalhão de psicólogos em cada escola: não há rede com malha apertada o suficiente para evitar todos os problemas.

Mas face à dimensão do problema de saúde mental na infância, o Estado tem de fazer mais, tem de fazer tudo ao alcance das suas possibilidades, para não deixar para trás, e precocemente, os adultos portugueses de amanhã.

Diretor-Adjunto do Diário de Notícias

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